"Reencarnação"
por Marcelo Miranda
Fotos - Divulgação

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16/04/2005

Existe algo de muito estranho em Reencarnação: um homem corre, num belíssimo plano-seqüência. De repente, pára e cai. Dez anos depois, vemos um cemitério vazio, em que uma mulher deposita flores num túmulo. Sem qualquer palavra, identificamos a situação. Daí em diante, essa atmosfera continua. Vemos um garoto, de ar misterioso, sentado no hall de entrada de determinado prédio. Depois acompanhamos outra mulher, que enterra alguma coisa no jardim do lado de fora do prédio – sob o olhar do menino.

É mais ou menos este o mecanismo do filme. Poucas palavras, planos longos, ar de enigma e escassas explicações. A riqueza de Reencarnação reside aqui: no encadeamento paciente e quase lento que o diretor inglês Jonathan Glazer imprime. Não há pressa. Aos poucos somos apresentados a Anna (Nicole Kidman), viúva que, no dia de seu noivado com outro homem, recebe a visita do menino (Cameron Bright). Ele afirma ser o marido morto dela, agora reencarnado em outro corpo. Parece não ter dúvidas disso. Incomoda e mexe com Anna.

Daí em diante, o filme segue no ritmo que lhe é peculiar, sem revelar grandes detalhes e mantendo o tempo inteiro a intriga e o suspense no ar: quem é esse moleque? Como sabe tanto das intimidades de Anna? Qual segredo se esconde por trás de seu olhar beirando o sinistro? O momento mais marcante é quando, após a protagonista presenciar o desmaio do garoto depois de dizer que nunca mais quer vê-lo, a câmera se fixa no seu rosto, em meio à apresentação de uma ópera, e pára ali por vários segundos (talvez minutos).

Não apenas apreciamos a beleza inocente e angelical de Nicole Kidman, mas acompanhamos alguns de seus pensamentos – ou pelo menos intuímos quais eles sejam. É um instante de encantamento, de apreciação do momento – mas não necessariamente de emoção, porque não parece uma cena feita para causar este sentimento. Simplesmente entramos na intimidade de alguém sentado na multidão e percebendo que pode estar diante de algo sem explicações racionais.

Se Reencarnação mantivesse até o fim essa linha, poderia ser um grande filme. Mas Glazer abre as concessões de praxe e começa a (tentar) dar resoluções ao que realmente acontece em cena. Usando de justificativas e motivos implausíveis e totalmente destoantes do resto, o diretor derruba o fascínio do filme em nome das convenções e das “obrigações” de dar sentido a qualquer coisa. Não importa o quanto isso vá prejudicar o desenvolvimento dos personagens ou mesmo de toda a obra: existe quase a necessidade de oferecer ao espectador algo em que se agarrar e pode se sentir esclarecido.

Uma pena. Se fosse mais ousado, Glazer poderia ir mais fundo nas relações que cria, principalmente entre Anna e o menino. Podemos ver ali a verdadeira atração não de corpos, mas de almas: ela sabe que seu marido não poderia ser aquela criança, mas não consegue se conter na ânsia de tê-lo, possui-lo, ficar ao seu lado. Toda a sensação de perda e a não aceitação da morte do amado podem ser resolvidas apenas se entregando a um antigo amor que surgiu do nada, mas existe. O conflito criado com a família é o de menos para Anna: importa mais amar.

Por conta da "virada" da trama, Reencarnação cai no vazio. Ao final, nada resta: não houve evolução, não houve modificações, não houve choque. Temos apenas um acontecimento aparentemente fora do normal que passou ligeiro na vida daquelas pessoas. O único a ser marcado para sempre pela experiência será o garoto, menos pelas suas atitudes e mais pelos caminhos que o diretor do filme dá ao universo que cria.


Site Oficial do filme