"Questão de Imagem"
por
Drex Alvarez
drex2004@bol.com.br
08/04/2005
Lolita (Marilou Berry) tem somente 17 anos e já possui duas certezas na vida - é uma garota gorda e fracassada. Não mereceria a simpatia de ninguém, portanto. Mais que isso, ela tem a absoluta certeza que as pessoas, mesquinhas pessoas, só se aproximam dela por interesse em conhecer seu pai, um conhecido escritor e editor de sucesso.
Sylvia (Agnès Jaoui) é a professora de canto lírico de Lolita. Dedicada e exigente, não poderia escapar de ser um tanto frustrada com a vida. Mas disfarça bem. Tenta agora treinar um coral de amadores, Lolita incluída, que querem promover uma apresentação em uma igreja. Ela sabe que eles não são capazes, está prestes a saltar fora da enrascada, só não sabe como faze-lo.
Pierre (Laurent Grévill) é o marido de Sylvia. Ele é escritor e gosta de se lamentar. Não conseguiu ainda publicar e vive de bicos e pequenos projetos com amigos. Toda semana, recebe da sua agente uma lista inteira de pretensos contatos feitos com editores que um dia pretensamente lerão o seu primeiro livro. Enquanto o grande dia não aparece, ele espera no colo de Sylvia.
Etiénne (Jean-Pierre Bacri) é o pai de Lolita e, como falamos acima, é um conhecido escritor e editor de sucesso. Mesmo já tendo passado da meia-idade, vive agora seu momento de crise. Apesar de ter seu trabalho reconhecido e de estar casado com uma linda e jovem segunda mulher, Etiénne parece estar sempre enfastiado com a vida. E sempre com pouca paciência para com os outros. Crise criativa, talvez.
O carrossel está formado. Não demora, é claro, para que os problemas de todas estas pessoas se encontrem, e que elas comecem a procurar nos outros a solução dos seus próprios interesses. É deste emaranhado de umbigos, falsos problemas e soluções fajutas que se trata Questão de Imagem, segundo filme da atriz, roteirista e diretora Agnès Jaoui.
Quem teve a oportunidade de ver a estréia de Agnes como diretora, sabe que esta temática não lhe é estranha. Em O Gosto dos Outros, um grande filme, ela já exibira suas cartas: simplicidade, leveza e humor numa observação inteligente desta coisa estranha e misteriosa que são os relacionamentos humanos.
Naquele momento, ela fazia a pergunta: porque sempre temos a empáfia simplista de querer interpretar e colocar razões nas atitudes dos outros? Aqui, em Questão de Imagem, Agnès investe um pouco mais nesta a análise, agora por alguns outros ângulos. E isso é muito bom. Inteligência é sempre bem-vinda e o que Agnès diz é muito mais importante do que pode parecer à primeira vista.
Já virou piada dizer que filmes franceses tratam da "impossibilidade da comunicação humana". É preciso admitir que Agnès quer falar justamente sobre isso em Questão de Imagem. Mas ela consegue fazê-lo sem delongas, sem recorrer a metáforas surreais, sem abusar de longas tomadas ou longos silêncios. Isso é coisa que se deixa para os mestre do cinema de arte. Ela é simples, concreta, prefere ir direto ao ponto. Para dissecar as motivações egoístas de cada um, para demonstrar que as pessoas se afundam em seus próprios problemas simplesmente por serem incapazes de tirar os olhos de si próprias, Agnès precisa apenas de situações cotidianas, personagens comuns e diálogos corriqueiros. É nesta simplicidade do dia-a-dia que ela encontra sua profundidade e sua poesia.
Deve ser dado também o devido crédito para Jean-Pierre Bacri. Marido e parceiro de trabalho de Agnès Jaoui, além de interpretar, ele também assina o roteiro. Como fez também em O Gosto dos Outros, Bacri rouba a cena com sua interpretação comedida mas sempre marcante.
Muito se falou, nas críticas de lançamento, que Questão de Imagem faz uma crítica do mundo das celebridades, o que é uma grande tolice. É apenas um gancho para agarrar o apelo de uma temática tão em voga nestes nossos tempos. Pode-se até dizer que a tal busca pela celebridade é na verdade uma muleta para a voraz necessidade que temos de ser reconhecidos e queridos pelos outros. Mas é uma forma limitadora de se ver o filme. Porque o buraco está muito mais embaixo. Não é necessária nenhuma celebridade para que aquelas ações e dramas aconteçam. Apenas junte-se três pessoas, e voilá.
Nesta semana, Roberto Pompeu de Toledo (a única página que vale a pena na revista Veja) escreveu que de Sartre, o filósofo francês que foi tão pop no seu tempo, só sobrou hoje o gastado jargão, "o inferno são os outros". Agnès Jaoui vem concordar com o filósofo e rir um pouco de tudo isso - os outros não são somente o inferno, podem também ser a solução. A gente que insiste em não ver.
Site Oficial
do filme
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