Procurando Nemo
por Diogo Mattos
diogo@areaweb.com.br
16/07/2003

Já virou clichê. Basta um longa-metragem de animação chegar aos cinemas para que logo a gente ouça incessantemente que "este é um filme para crianças que irá agradar em cheio os adultos". Mas desde "Toy Story 2" que esta frase não se aplica com tanta propriedade a um filme como em "Procurando Nemo" (Finding Nemo - EUA, 2003). 

O filme conta as aventuras de Marlin, um peixe-palhaço que perde em um ataque de tubarão a esposa e todos os ovos que ela botara. Quer dizer, quase todos. Sobra apenas um, de onde nasce Nemo. Tempos depois, chega a hora de Nemo ir à escola. Só que o pai, superprotetor, teme que o filho se machuque e o segue. Em uma típica briga de pai e filho, Nemo resolve mostrar que é corajoso o suficiente para navegar em alto mar. Mas acaba sendo capturado por um mergulhador e vai parar no aquário de um dentista em Sydney, Austrália. O medroso Marlin então irá atravessar o oceano para encontrar o filho, com a ajuda da simpática Dory, atrapalhado peixe que sofre de perda de memória recente. 

A história então se desdobra em duas. Em uma das narrativas, Marlin e Dory navegam procurando Sydney. No caminho, se deparam com os mais diversos personagens e correm um perigo atrás do outro. A outra ponta do filme mostra Nemo tentando fugir do aquário do dentista, com a ajuda de seus novos amigos. Ambas as tramas são divertidíssimas, dosando humor e aventura daquela forma que só a Pixar sabe fazer. 

Tudo bem que os filmes da Pixar sigam modelos bem esquemáticos. Sempre há jornadas cheias de aventuras, coadjuvantes engraçados, exaltação do companheirismo e da amizade e finais felizes. Os ingredientes são sempre os mesmos. Mas, quem se importa? O que diferencia estas produções é a maneira como a receita é levada adiante. A história sempre é muito bem contada, fazendo a gente rir, se empolgar e emocionar. Isto é cinema. Precisa muito mais do que isso para fazer a gente ficar feliz quando os créditos finais sobem? 

É difícil enumerar todas as qualidades de "Procurando Nemo". Poderíamos começar pela qualidade técnica. É impressionante como, a cada filme lançado, vemos que a Pixar aperfeiçoa mais ainda o visual de suas animações. E "Procurando Nemo" ainda dá pretexto para que o espetáculo seja mais bonito ainda, já que a história se passa quase toda em alto-mar, repleto de belas imagens. E os personagens, embora na maioria peixes, possuem feições bem humanas, o que faz com que nos identifiquemos com eles desde o primeiro instante. Outro aspecto interessante é o criativo aproveitamento do universo marítimo na história. Desde águas-vivas até esgotos que desembocam em mares, passando por baleias, caranguejos e correntes marítimas, tudo aparece com relativa importância para o desfecho da história. Inclusive, vale notar bem o curta que antecede o filme. Feito em 1989, a gente vê que há um bom tempo atrás a Pixar já esbanjava criatividade para extrair histórias e personagens dos cenários mais inusitados. Repare ainda como a qualidade das animações melhorou. 

O humor em "Nemo", embora menos sarcástico que em algumas produções anteriores, funciona muito bem. O tubarão que está lutando para parar de comer peixes e a tartaruga de 150 anos com sotaque de surfista garantem ótimas risadas. E ainda há duas hilárias referências a Hitchcock (o ataque das aves no cais a lá "Os Pássaros" e a chegada da sobrinha do dentista aos sons dos acordes de "Psicose"). Também não podemos deixar de ressaltar a habilidade da direção. Faz muito tempo que um filme com atores de carne e osso não possui uma cena tão tensa quanto aquela onde Nemo tenta fugir do aquário através de um tubo de ventilação. 

Esta é a quinta parceria da Disney com a Pixar. E também é, por sinal, o quinto excelente filme que a dupla produziu. (Só para refrescar a memória, os outros foram os dois "Toy Story", "Vida de Inseto" e "Monstros S.A."). Ou seja, nenhum outro nome do cinema atual - seja ele de estúdio, ator ou diretor - está tão associado a qualidade quanto a Pixar. Não é à toa que "Procurando Nemo" é a maior bilheteria do ano nos Estados Unidos até o momento – desbancando os badalados "Matrix Reloaded" e "Hulk". E não há previsão de que algum filme o ultrapasse até o lançamento do final da trilogia “O Senhor dos Anéis”, em dezembro. Qualidades para tanto sucesso não faltam. "Nemo" é a prova de que, apesar de tudo, o bom cinema ainda é mais atrativo do que massacrantes campanhas de marketing.