Por um Fio
por Ronaldo Gazolla
rgazolla@areaweb.com.br
23/06/2003

Algum tempo antes da data prevista para o lançamento de "Por um Fio" (Phone Booth - EUA - 2002) nos cinemas norte-americanos, aconteceu o atentado terrorista contra o World Trade Center, o que acabou determinando seu adiamento. Antes da nova data de estréia, foi a vez de um franco-atirador começar a fazer vítimas nos arredores de Washington, confundindo a polícia americana. O fato, ainda mais próximo da situação mostrada no filme, forçou um novo adiamento da estréia. O curioso é que, na terceira tentativa, uma guerra já estava em andamento. Diante da aparente impossibilidade de uma data livre de controvérsias, "Por um Fio" foi finalmente lançado. 

A razão para esses adiamentos é a situação que Stu Shepard (Colin Farrell) enfrenta durante o filme. Agente de artistas egoísta e manipulador, ele todos os dias liga para sua amante (Katie Holmes) da mesma cabine telefônica de Nova York, para evitar que sua mulher (Radha Mitchell) tenha acesso ao número suspeito a partir de seu celular. Depois de uma dessas ligações, Stu se prepara para deixar a cabine quando o telefone toca. Ao atendê-lo, um sujeito misterioso (Kiefer Sutherland) exige que Stu confesse seus pecados à esposa e à amante. E, caso Stu desligue o telefone, um rifle está pronto para ser disparado contra si. 

Como dá para perceber, trata-se de um filme bem objetivo, uma fábula moral com roteiro enxuto: um homem, forçado a se redimir por um 'poder superior'. Quase toda a ação se passa dentro da cabine telefônica. Existem algumas cenas no início, utilizadas para determinar o caráter de Stu, onde Colin Farrell anda pela cidade (acompanhado de um assistente, numa relação que chega a lembrar o clássico "A Embriaguez do Sucesso", com Burt Lancaster e Tony Curtis), berrando em seu telefone celular enquanto manipula diversas pessoas. São cenas rápidas, um pouco confusas, e até mesmo enfadonhas. Estas são precedidas por uma abertura irritante, além de completamente desnecessária, onde a câmera vai até o espaço, mostra um satélite, e depois mergulha direto para dentro de um telefone celular (movimento que é repetido, às avessas, no final). Dessa forma, é até um alívio quando Colin Farrell finalmente entra na cabine, e o filme começa de verdade. 

Farrell consegue segurar o filme, praticamente sozinho. Foi uma escolha corajosa, por um personagem que passa quase o tempo inteiro na tela. Se o filme funciona, o ator deve levar bastante crédito por isso, apesar de estar um tanto artificial em uma das cenas mais tensas, no desfecho da trama. Também essencial é a participação de Kiefer Sutherland, transmitindo a sensação de perigo para o protagonista apenas com a voz. Sutherland é o elemento de maior destaque, igualmente responsável pelo sucesso da trama, pois se ele falhasse, o filme não transmitiria esse sentimento de ameaça iminente. Ainda no elenco, Forest Whitaker, como um policial que se envolve no caso, tem participação apenas burocrática. Radha Mitchell e Katie Holmes têm pouquíssimo a fazer, especialmente a última que, ao todo, não deve somar nem três minutos em cena. 

O diretor Joel Schumacher consegue manter o suspense sempre de forma satisfatória. Como a trama se desenvolve praticamente em tempo real e em apenas um local, quase não sobram oportunidades para que Schumacher lance mão de mais recursos técnicos desnecessários. A exceção fica por conta de algumas divisões de tela absolutamente sem propósito. Fora isso, cria um clima de tensão permanente. 

Para isso, conta com o roteiro que cria sucessivos conflitos para o protagonista. Além de criar essas situações que não deixam a trama cair no marasmo – ajudado pela curta duração do filme que, afinal, não poderia mesmo ser muito estendido – , a principal qualidade do roteiro são seus diálogos, principalmente os do atirador, fundamentais para o andamento da trama, já que o filme é inteiramente baseado nesses diálogos entre o atirador e Stu. E apesar de alguns detalhes desnecessários, como os problemas particulares do policial interpretado por Forest Whitaker, sem nenhuma serventia para a trama, acerta, particularmente, na questão das motivações do atirador, não optando pela saída mais fácil em uma história como essa. 

"Por um Fio", que não deixa de ser um filme B pela sua trama, foi escrito por Larry Cohen, um veterano que obteve maior destaque comandando filmes de terror B, como o sangrento "Nasce um Monstro", com um recém-nascido modificado geneticamente que matava quem aparecesse em sua frente, e "A Coisa", que também funcionava como uma crítica ao consumismo. É exatamente com o roteiro de "Por um Fio" que Cohen começa a conseguir a atenção de grandes estúdios e melhores produções, e, como deu certo, já escreveu outro roteiro similar, sobre um homem que atende seu celular e recebe um pedido de ajuda de uma mulher raptada. 

"Por um Fio", foi inteiramente filmado em menos de duas semanas, e teve um orçamento de 10 milhões de dólares. Mesmo que seja esquecido pouco depois de terminada a projeção, oferece uma diversão eficiente durante sua exibição. É uma lembrança de que, mesmo sem orçamentos astronômicos, tramas complicadas ou efeitos mirabolantes, é possível se fazer um entretenimento de qualidade.