"Pergunte Ao Pó"
por
Marcelo Costa Email
18/06/2006
Adaptações de textos literários para o cinema quase sempre ficam
devendo ao texto original. As exceções existem e, caso recente,
O Segredo de Brokeback Mountain é um bom exemplo de não
só acerto, mas também de engrandecimento da obra literária via
imagens. Via de regra, porém, bons livros podem até render
bons filmes, mas raramente o cinema supera a literatura em adaptações.
O pior, no entanto, é quando o filme diminui o livro. E é isso
o que acontece com Pergunte Ao Pó, clássico livro de
John Fante, levado às telas pelo roteirista Robert Towne, que
assinou o sensacional Chinatow (1974). Nas mãos de Robert Towne,
Pergunte Ao Pó virou um melodrama piegas, brega e óbvio.
Fante não merecia isso.
O primeiro grande problema de Pergunte Ao Pó versão 2006 é a dupla de atores principais. É de se ficar perguntando quem foi o infeliz que disse a Colin Farrell que ele é um ator de verdade. E Salma Hayek, que já teve algumas boas atuações no cinema, também não diz a que veio nesta adaptação. A dupla central joga o filme na vala dos comuns. Farrell é tão bisonho que chega a deixar o espectador constrangido com sua péssima atuação. Ao tentar dar alma ao seu personagem (a saber, Arturo Bandini, um loser de carteirinha), Farrel o transforma em um homem abobado. O Bandini do ator têm mais de idiota do que de loser. Há uma diferença enorme entre os dois. O loser quer ser algo, mas não consegue. O idiota é idiota, simplesmente. Farrell confunde tudo e sua atuação merece o prêmio Framboesa de Ouro 2006 no posto de Pior Ator.
A história de Pergunte Ao Pó se passa nos Estados Unidos dos anos 30, mais precisamente em Los Angeles. No auge da depressão norte-americana, com a queda da moeda e a pouca oferta de empregos, Arturo Bandini se muda para LA e sonha em se tornar um escritor famoso. Na tentativa de começar um livro, Bandini se hospeda em um quarto de um hotel barato, mas a falta de inspiração e a falta de dinheiro começam a conspirar contra o plano do rapaz. É nesse ambiente de caos interior que o pretenso escritor conhece Camilla Lopez, uma garçonete mexicana que sonha conseguir um bom marido e deixar o emprego. Ela trabalha em um bar/café, e a relação dos dois é, desde o início, movida por um amor disfarçado de ódio.
É neste ponto que surge o outro grande problema do filme: o roteiro, que fisga apenas uma das várias sub-histórias do livro, elevando a principal o romance de Bandini com a garçonete mexicana Camilla Lopez. O romance, entre tapas e beijos, transforma a temática do livro em uma grande história de amor, deixando de lado a crise criativa que impede Bandini de escrever (ele é escritor, ou tenta ser), o choque cultural entre a descendência mexicana de Camilla, a italiana de Bandini, e o povo branco, protestante e anglo-saxão norte-americano, a busca pelo sonho em uma cidade como Los Angeles, e mesmo a selvageria de uma grande cidade, onde todos vivem juntos, mas ninguém conhece (e ajuda) ninguém.
Deixando tudo isso - e mais - para trás, e centrando foco apenas
em um romance inter-racial, Robert Towne diminui o livro de
tal forma, que muitos até poderiam acreditar que Pergunte
Ao Pó se trata de um romance água com açúcar. Isso só não
acontece porque o texto afiado de Fante resiste mesmo a atuação
constrangedora de Colin Farrel e brilha em diversos momentos
do filme. São nestes momentos que ficam mais evidentes os defeitos
do ator: quando o texto sublime não encontra tradução na interpretação.
A direção também deixa a desejar, não conseguindo transformar
as imagens do livro em imagens reais. Ao tentar fazer cinema,
o mais próximo que Robert Towne chega é do teatro, péssimo teatro,
só se salvando a ambientação noir, obrigatoriedade máxima em
se tratando de Fante. E só isso.
Arturo Bandini é, na verdade, o alter-ego de John Fante, um
ítalo-americano que, da mesma forma que seu personagem, deixou
o interior dos EUA para se arriscar no mercado literário de
Los Angeles. Com seu segundo livro, Pergunte ao Pó, lançado
em 1939, conseguiu a atenção devida, e este acabou sendo sua
obra máxima, numa bibliografia de que ainda fazem parte 1933
Foi Um Ano Ruim, Espere a Primavera Bandini, Sonhos
de Bunker Hill e Rumo à Los Angeles. Se não funciona
como adaptação, o grande mérito da versão cinemão de Pergunte
Ao Pó é extra-filme: colocar o livro nas livrarias brasileiras
novamente. Editado nos anos 80 com tradução do poeta Paulo Leminski,
Pergunte Ao Pó estava fora de catálogo e só podia ser
encontrado em sebos. O livro volta agoraàs livrarias, com tradução
de Roberto Muggiati, pela Editora José Olympio. É muito pouco
para John Fante, muito pouco para uma adaptação, mas o bastante
para que um jovem público leitor descubra este que foi considerado
um Deus por Charles Bukowski.
Links
Site
Oficial - Pergunte Ao Pó
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