"Cazuza, O Tempo Não Pára"
por
Marcelo Costa
Especial para a revista Pipoca Moderna
Fotos - Divulgação
maccosta@hotmail.com 12/11/2004
O
rock brasileiro dos anos 80 está de volta. Porém, engana-se
quem esperar este retorno em um aparelho de CD. A tal volta
tem relação com o estrondoso sucesso da cinebiografia Cazuza
- O Tempo Não Pára, assinada a quatro mãos por Sandra Werneck
e Walter Carvalho e que conta, no elenco, com Marieta Severo,
Reginaldo Faria, Andréa Beltrão e Débora Falabella, além do
protagonista Daniel Oliveira encarnando (literalmente) o cantor
que despontou para a fama cantando o blues e o rock à la Rolling
Stones com a banda Barão Vermelho, saiu em carreira solo até
morrer, aos 32 anos, vítima da aids.
Segundo dados do Filme B (órgão responsável pelos dados de bilheterias
dos cinemas brasileiros), até o final de setembro, Cazuza
- O Tempo Não Pára havia sido visto por mais de 3 milhões
de pessoas, alcançando a nona posição na lista de filmes mais
vistos no País em 2004 (à frente de, por exemplo, O Último
Samurai, blockbuster hollywoodiano que conta com Tom Cruise)
e a maior bilheteria de um filme brasileiro no ano. Os números
impressionantes do filme fazem pensar: Que público foi ver Cazuza?
Qual a relevância de sua história para os dias de hoje? Cazuza
é o nosso Jim Morrison? Temos 3 milhões de trintões que foram
matar saudades dos famigerados anos 80 nas salas de cinema?
Uma das maneiras de se analisar o sucesso do filme é entender
que Cazuza é uma figura mítica, como os grandes heróis que morreram
de overdose, implícitos na letra de Ideologia (e explícitos
em uma canção de Lulu Santos da época, Tesouros da Juventude:
Brian Jones, Jimi Hedrix, Janis Joplin, Jim Morrison). Em uma
época cuja liberdade ainda era vigiada, Cazuza surgiu fazendo
coisas que muita gente sonhava fazer (mas não tinha coragem
para tanto), transformando o cantor em representante de uma
juventude que ainda não sabia o que era realmente ser livre.
"Sexo, drogas, rock'n'roll, adrenalina" (como cantava o parceiro
Lobão) combinavam com um rapaz que era filho de uma família
classe média alta, envolvida com o mundo da música (o pai, João
Araújo, era presidente da gravadora Som Livre) , com sede por
aventuras e com dinheiro para pagá-las.
Cazuza - O Tempo Não Pára pega pesado neste lado do cantor,
amparado pelo retrato desenhado por sua mãe, Lucinha Araújo,
no livro Só As Mães São Felizes. Desde as primeiras cenas,
a câmera nervosa e a edição frenética tentam retratar as porralouquices
do rapaz metido a poeta. Deste feito, surgem os episódios em
que Cazuza conhece o Barão Vermelho (em um ensaio regado a maconha),
os primeiros shows do grupo, os romances do cantor e sua tendência
a bissexualidade. Tudo aumenta em proporções inimagináveis conforme
o Barão Vermelho vai galgando as paradas de sucessos com hits
como Pro Dia Nascer Feliz (cuja primeira gravação foi
de Ney Matogrosso, que foi namorado de Cazuza e não é citado
em nenhum momento no filme), Bete Balanço e Maior
Abandonado. Um dos fatos interessantes desta primeira parte
do filme é ouvir as músicas adentrando o território rock'n'roll
do cantor: "procurando vaga uma hora aqui e a outra ali no vai-e-vem
dos seus quadris". Seguem-se a carreira solo (com muito menos
destaque no filme) e a doença (em um excelente trabalho de interpretação
de Daniel Oliveira).
Toda rebeldia de Cazuza é também fruto de um período histórico
pelo qual o país estava passando, pós-ditadura e pós-censura.
Cazuza viveu os últimos dias da decantada liberdade sexual,
cuja maior vítima foi o lema "amor livre", tão presente no ideário
de alguns de seus ídolos. Transposta para os dias de hoje, a
figura de Cazuza - controversa e hipnótica - encontra abrigo
não só na memória de quem viveu a época, mas, principalmente,
no saudosismo juvenil daqueles que nem eram nascidos, e admiram
muito alguém que tenha visto a cara da morte tendo tempo para
voltar e escrever uma canção dizendo que ela estava viva (da
música Boas Novas). Cazuza é o representante daqueles
que acreditam que valha a pena viver seguindo apenas suas próprias
regras, ato rebelde que encontra eco em uma juventude cada vez
mais protegida e direcionada pelos pais. Como escreveu o próprio,
em parceria com Lobão: "Eu não posso causar mal nenhum / A não
ser a mim mesmo / A não ser a mim".
Mais do que qualquer coisa, o filme nada tem de apologético, afinal, não é possível ter como bom exemplo um cara que morre aos 32 anos, após um sofrimento terrível de anos, pesando 38 quilos, retrato do que uma vida desregrada, regada a muita bebida, drogas e promiscuidade sexual pode trazer a uma pessoa. É o tipo de coisa que impressiona na tela do cinema, mas éimpossível de se desejar para qualquer família. Serve mais como aviso do que como inspiração. Na melhor das visões, funciona como um "se quer fazer, faça, mas não cometa os mesmos erros".
Desta forma, Cazuza - O Tempo Não Pára é o primeiro filme
altamente rock'n'roll (muito mais em atitude do que em sonoridade)
produzido por estes lados, transpirando o mundo perigoso deste
gênero rebelde da música mundial. O mesmo rock que, por excelência,
tem muito mais parentesco com o juvenil do que com a maturidade.
Cazuza - O Tempo Não Pára é um documento de época que
impressiona a molecada de hoje em dia, tanto quanto a molecada
que cantava, em 1984, "mais uma dose / é claro que eu estou
afim. A noite nunca tem fim: por que a gente é assim?". É, também,
apenas uma das versões da história de uma pessoa comum chamada
Agenor Miranda de Araújo Neto. Um exagerado personagem do mundo
quase ficcional da música popular brasileira.
Site Oficial do filme
|