"Os Educadores "
por Drex Alvarez
Fotos - Divulgação

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25/12/2004

Em algum lugar dos anos noventa nos ensinaram que não fazia mais sentido falar em "luta-de-classes" pois, enfim, o que eram "classes" afinal? De certa forma, estamos todos satisfatoriamente bem colocados e, ademais, é inútil, senão patético, "lutar contra o sistema" se o sistema não existe. Se existe algo, é uma conjunção de forcas chamada "mercado", algo natural e perene que não tem líder nem mandatário. Não há muita alternativa, meu caro. Também não pense em reclamar, e esqueça de ficar preenchendo formulários ou indo aos guichês pedir ajuda. Ninguém tem muito a ver com isso, e chega de burocracias. Agora, se você está mesmo insatisfeito quanto à situação das coisas, é claro que há um caminho. Você pode sim ir a luta. Evolua, só depende de você. Mas qualquer busca deve ser feita sempre de forma individual. Se vire, meu chapa. Individualmente tudo é permitido. Liberdade plena. Rumo ao (seu) sucesso.

Mas o que tudo isso tem a ver com Os Educadores, filme do alemão Heins Weingartner? Bem, parece que alguns personagens de Os Educadores não acreditaram muito na primeira premissa do parágrafo anterior. E, se acreditaram nela (todos nós, em certa medida, acreditamos), algo os fez começar a questioná-la e, conseqüentemente, desafiá-la. De um modo muito próprio.

Jules (Julia Jentish) é uma garota de aparência frágil e rosto doce. Se vira morando sozinha e evolui trabalhando como garçonete. Algo parece errado, no entanto, pois Jules, mesmo doce, parece insegura, angustiada. Ela namora Peter (Stipe Erceg), de quem parece gostar satisfatoriamente. Peter mora com seu amigo Jan (Daniel Bruhl, de Adeus Lênin), um sujeitinho mais jovem, com cara de bobo e jeito estranho.

Um dia, o mundo de Jules começa a virar. Ela é demitida do emprego. Logo em seguida, Peter tem que viajar. Jules desmonta, começa a entrar em desespero. Não é para tanto, diz Jan, o amigo do namorado. "Você se arranja", conclui o rapaz. Mas Jules está realmente mal e acaba desabafando com Jan. Confessa o beco sem saída idiota em que estava metida. Batera seu carro no Mercedez-Benz de um magnata, estava com a carteira vencida, foi condenada a pagar todo o prejuízo. Uma fortuna. Mais uns dez anos de salário de garçonete e, enfim, sairia das mãos do magnata. Neste momento, no entanto, estava sem dinheiro, sem emprego e endividada. E sozinha.

A vida segue, pois um novo amor também dá novo fôlego à caminhada. Na ausência de Peter, Jules e Jan acabam se envolvendo. E, sem aguardar as conseqüências, Jan acaba revelando para Jules o que é, na verdade, o ponto central do filme - a estranha e bizarra atividade que ele e Peter criaram para encontrar alguma válvula de escape para uma vida cada vez mais inevitável.

Jan e Peter inventaram uma vida dupla. De dia, cumprem o cotidiano estabelecido. Durante a noite, vestem máscaras pretas e invadem as mansões dos ricaços, somente quando os ricaços não estão presentes. Não roubam nada, apenas mudam todos os móveis de lugar, se possível com criatividade digna das instalações de arte pós-modernas. Jan é cheio de idealismo político. Peter faz tudo pela farra e pela adrenalina. No final da aventura, sempre deixam um bilhete com uma mensagem nada cifrada: "Seus dias de fartura estão terminando" ou "Vocês tem dinheiro demais". Assinado: os Educadores. Ao saber da estranha atividade, Jules, de saco cheio da vida, encantada com Jan, também quer participar. E pensa logo, claro, no maior motivo das suas agruras, seu magnata credor. Ora, porque não fazer uma visita?

A metade mais interessante de Os Educadores foi a contada até aqui. Depois, o filme desenrola-se nas complicações inevitáveis de toda a empreitada, no triângulo amoroso desenrolado entre os protagonistas, no debate e nas dúvidas que cada um se impõe a respeito das justificativas e das motivações para seus atos. Tudo com sensibilidade, leveza e humor. Mas desenrola-se um pouco demais e, num ponto intermediário, a trama torna-se bastante arrastada. No final, porém, a história se recupera, surpreende até, e Os Educadores, se não se transforma no filme da sua vida, cumpre bem o seu papel. Papel? Mas faz sentido, hoje em dia, pensar em possuir um "papel"?

Num momento do filme, algumas questões interessantes são colocadas para o espectador: será que não foi e não vai ser sempre assim? Será que todos temos os ideais juvenis de um mundo melhor e que, mais tarde, todos nós nos transformamos em grandessíssimos filhos-da-puta? Existem ideais de verdade, ou tudo não passa de ingenuidade e mera explosão hormonal? Um conservador cético aos vinte anos de idade realmente é uma pessoa sem coração? Um idealista aos quarenta realmente não tem nada na cabeça?

Se Os Educadores possui algum papel é o de oferecer uma nova perspectiva para se repensar a apatia predominante neste mundo monotemático da última década. Não há respostas consistentes no filme. Somente mais perguntas: será que é esse o espaço existente para a revolta? Será que há algum resultado nessa expressão de simbolismos pós-modernos, essa mistura de flash-mobs com contravenções leves e temporárias? Há outras alternativas? É factível querer mudar algo?

Só o fato de levantar perguntas, no entanto, já é extremamente positivo. Pois se o idealismo e a vontade de mudar o mundo são apenas sintomas biológicos e corriqueiros de todas as gerações jovens, não deixa de ser preocupante viver em um mundo onde nem mesmo a explosão dos hormônios é capaz de gerar algum tipo de dúvida, de revolta, de criatividade, de questionamento. Pode ser até romântico, mas nunca é ingênuo. O fato é que os hormônios sempre estão lá, indo necessariamente para algum lugar. Duvidando e querendo sempre mais. Tudo é permitido. Lembre-se disso. E rumo ao sucesso. É tão simples assim?


Site Oficial do filme Os Educadores