"O Grito"
por Marcelo Miranda
Fotos - Divulgação

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16/01/2005

Durante os créditos iniciais de O Grito, mostrando que boa parte da equipe técnica do filme é formada por japoneses, sendo muitos vindos do filme original no qual este se baseia (Ju-on), a primeira pergunta é: por quê? Por que refazer um filme situando sua ação no mesmo país de origem, com quase todo o elenco japonês, trama idêntica e apenas trocando os protagonistas por atores americanos? Por que não simplesmente lançar, com a mesma pompa e marketing, o filme original no mercado mundial? Será que a mesquinharia dos produtores norte-americanos e a tão falada ojeriza do público dos EUA em ver filmes legendados chega a esse ponto?

Perguntas difíceis de responder. Se o próprio diretor e criador de Ju-on, Takashi Shimizu, topou refazer o filme e exigiu que fosse ambientado no Japão, como questionar outras decisões do remake? Deixando de lado a quase total desnecessidade de refilmar Ju-on, fiquemos com O Grito em si, sua essência que, no fundo, nada tem a ver com essas negociatas.

O filme de Shimizu segue a tradição típica das recentes obras de terror japonesas. São fantasmas assombrando pessoas inocentes, que não entendem os motivos daquelas situações sinistras e por vezes surreais. O gancho desses filmes está sempre em acontecimentos do passado, traumas de infância, crenças populares ou, principalmente, em conflituosas relações familiares (pense, por exemplo, em Ringu - que originou O Chamado - e Jian Gui, ou The Eye - A Herança, como foi lançado no Brasil). O maior atrativo dessas produções é o suspense que cresce a cada instante, o clima de pavor constante, os desdobramentos do roteiro e as imagens às vezes explícitas, mas jamais gratuitas, insinuando mais do que mostrando.

Não é diferente em O Grito. Talvez por ser comandado pelo mesmo Shimizu de Ju-On, o filme tem todas essas características. Poucas imagens do cinema atual amedrontam tanto quanto aquele garotinho branco como leite olhando para o espectador sem levantar a cabeça, apenas movimentando os olhos. Isso é típico do terror japonês, causando estranhamento em platéias ocidentais mal acostumadas com as fitas de horror do cinema-lixo de Hollywood (nada tão antimedo e risível como o demônio de Exorcista - O Início). Apesar de refilmar Ju-On, Shimizu não pasteurizou sua criação, não a tornou produto simplesmente vendável e sem preocupações com o espectador.

Não que seja um filme perfeito. As limitações de O Grito estão nele mesmo, não na matriz japonesa. A começar pela repetição dos acontecimentos. No primeiro ataque do tal fantasma, arrepio puro, mesclado ao trabalho de fotografia que mescla claro e escuro com grande eficácia. No segundo ataque, novos arrepios e a certeza de um perigo iminente. No terceiro ataque, a sensação de tédio começa a surgir. No quarto ataque, mantém-se o clima claustrofóbico, mas banaliza-se a força da imagem. Shimizu parece não ter muita saída a não ser levar seus personagens para a casa assombrada a qualquer custo - e mesmo forçando o roteiro para isso. A "estrutura" da maldição que permeia o filme tem esse ponto negativo, de prender o próprio enredo num ambiente e num mecanismo simplistas. Nada que um diretor mais criativo não resolvesse. As boas idéias de Shimizu ficam apenas nas seqüências de morte e vão pouco além disso.

De qualquer maneira, O Grito tem momentos de grande interesse e criatividade visual. O maior deles é a aparição do fantasma num monitor de vídeo: o espectador vê algo estranho pela tela do cinema, filtrado uma segunda vez por uma pequena tela do monitor de vigilância. Essa série de filtros aumenta ainda mais a insinuação, sutileza e força da cena. Não à toa, O Chamado, seja o japonês ou o americano, é superior a O Grito - mais uma vez voltamos ao "mecanismo" da maldição e percebemos que aquilo criado por Hideo Nakata (envolvendo uma fita de vídeo) permite mais variações do que a de Shimizu. Diálogos entre diretores e autores de um estilo de cinema que vem cada vez mais conquistando o Ocidente - também provocando o risco de, em breve, se esgotar na própria fonte.


Site Oficial do filme