"Ninguém Pode Saber"
por
Marcelo Costa maccosta@hotmail.com
09/05/2005
Logo nos primeiros segundos de exibição, o diretor Hirokazu
Kore-Eda avisa ao espectador que sua história é real, mas não
se inspira em um caso específico, e sim em vários casos acontecidos
no Japão nas últimas décadas. O aviso se torna necessário, já
que o que o espectador irá encontrar pela frente é uma história
de abandono dessas que ouvimos alguém contar vez em quando,
mas que é muito difícil acreditar: uma mãe que abandona seus
filhos, no caso quatro crianças, entre 4 e 12 anos, em um apartamento.
Porém, aquele que acredita que a história vá se desenrolar
sobre uma nuvem de lágrimas está muito enganado. Kore-Eda trata
o drama com extrema leveza e dá a seu filme um tom suave e poético,
que por vezes demonstra a fé que este jovem talento do cinema
japonês ainda têm na humanidade. Após investigar a morte no
elogiado Depois da Vida, Kore-Eda atesta - com Ninguém
Pode Saber - que a vida, inevitavelmente, segue seu rumo,
mesmo que as tragédias nos façam compania.
Aos fatos: uma mulher, mãe solteira de quatro filhos, de quatro
pais diferentes, monta uma verdadeira operação secreta para
adentrar um novo apartamento que acabou de alugar. A idéia é
que a vizinhança não saíba que ela tem quatro filhos, por isso,
apenas o maior, Akira (Yuya Yagira), ajuda na mudança. Os menores
são transportados em malas de viagem, e agem de forma tão natural
com a mudança que denotam que não o fazem pela primeira vez.
O motivo de tanto segredo é a necessidade de proteger a família
da sociedade repressora, que já criaria imensas restrições ao
descobrir que a mulher é mão solteira de um garoto, imaginem
quatro. A preocupação da mãe é tanta que logo que se instala,
bate na porta do vizinho, se apresenta e diz que o marido está
viajando e que ela viverá ali apenas com seu filho. No entanto,
junto com a mãe e com Akira viverão na casa Kyoko de 10 anos
(Ayu Kitaura), Shigeru de 7 anos (Hiei Kimura) e Yuki (Momoko
Shimizu), apenas 4.
A rotina é simples: enquanto a mãe sai para trabalhar, Akira,
que tem 12 anos, cuida dos irmãos. Ele é o único que pode sair
da casa, e fica responsável por comprar comida e cuidar dos
menores. Nenhuma das crianças estuda, e todos se vêem entre
quatro paredes, brincando, crescendo e vivendo como se o mundo
fosse apenas aquele pequeno espaço de concreto. A rotina segue
imutável até o dia em que a mãe sai para viajar e não
volta. Akira continua cuidando dos irmãos, mas o que se vê daí
em diante é a degradação de um núcleo familiar, que sem uma
pessoa responsável, acaba deixado a sua própria sorte.
É exatamente neste ponto que Kore-Eda comove. Com câmera na
mão, o cineasta filma sua história como se fosse um documentário.
Os atores mirins brilham e a história tenderia a se tornar dramática.
Porém, o tema imensamente triste não derruba lágrimas nem desperta
o lado piegas de cada um. Kore-Eda decora as cenas com músicas
leves, até alegres, personagens coadjuvantes que ajudam uns
aos outros e, sobretudo, um notável senso de sobrevivência que
se transforma em poesia cinematográfica.
Tudo isso para mostrar que nós, adultos, tendemos a exagerar
os sentimentos, pesar a mão nas decisões, exibir o orgulho a
toda prova e elevar o corpo sobre o espírito como se vivêssemos
em uma guerra diária. Ninguém Pode Saber contradiz
tudo isso usando de forma exemplar o olhar inocente de quatro
crianças que vivem porque viver é preciso. Porque o amor inocente
impede que um irmão abandone outro. Porque o amor de uma criança
é milhões de vezes mais sincero que o amor de um adulto. Não
há tragédia nas mentes inocentes de Ninguém Pode Saber.
A tragédia, na verdade, é a própria sociedade em que vivemos.
A tragédia somos nós. Essa é uma história real. Lembrar talvez
faça algo mudar. Há muita tristeza em Ninguém Pode Saber.
Porém, há mais beleza e fé em sua história do que a tragédia
que os adultos enxergam.
Site Oficial de "Ninguém
Pode Saber"
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