Mundo Porno
por
Danilo Corci Email
12/02/2007
Quando se fala de sexo como conteúdo artístico, a questão entre pornografia e
erotismo vem à mente de qualquer pessoa interessada neste tipo de debate. O que
seria o erotismo? O que seria a pornografia? Inúmeras respostas sempre surgem,
sendo a mais comum de todas a referência direta ao explícito para rotular a
pornografia. A etimologia das palavras também ajudam a criar uma pequena
diferenciação. Enquanto erotismo vem de Eros e significa literalmente "desejo
amoroso", a pornografia vem das prostitutas, já que a grafia portuguesa vem do
grego pornographie, que significa "tratado sobre as prostitutas".
Mas esta separação etimológica parece ser mais uma maneira de aceitar a
exploração sexual social do que admitir a existência de beleza e arte em algo
mais explícito do que só sugerido. O artista plástico Paulo Rafael dá uma
definição interessante sobre o tema em texto feito para comentar a obra do
também artista plástico Gil Vicente: "O senso comum aponta diferenças entre
erotismo e pornografia. Entretanto, quando se procura catalogar tais diferenças,
entra-se em um campo subjetivo, pois essas fronteiras dependem do observador ou
do contexto cultural e não das características intrínsecas do objeto (erótico ou
pornográfico). Afinal, já foi dito que a pornografia é o erotismo dos outros.
Erótico e pornográfico não podem ser diferenciados apenas com base em conceitos
de explícito e implícito. Assim, em geral procuro evitar o termo erotismo,
utilizando apenas o termo pornografia, ampliando seu significado. Pornografia
como representação do desejo sexual, uma sexo-grafia ou uma desejo-grafia, na
mesma linha de pensamento que conduz a palavras como geografia, litografia e
xilografia".
Assim colocado, a pornografia é parte integrante da história da humanidade e da
história da arte, onde pintura, escultura e literatura fizeram interessantes
tratados artísticos tendo a pornografia como base. Esta história é praticamente
impossível de rastrear com precisão. De ruínas em Pompéia às artes do
paleolítico, passando pelos textos de Marquês de Sade, existem registros
pornográficos em tudo o que for possível imaginar. E no cinema, o que podemos
dizer como pornográfico, na acepção de Paulo Rafael, acontece desde sua
invenção...
O cineasta Fernando Augusto Tiezzi afirma em um texto sobre História do Cinema:
"No final do século XIX, quando surgiu o cinema, nasceu também um novo gênero
que ajudaria a tornar o cinema popular: o gênero erótico. Sabe-se que, quando
estava se tornando uma diversão de massa nos chamados vaudevilles, muitos filmes
já traziam conotação erótica e até mesmo cenas de sexo explícito. A ausência de
história, dava margem à cenas rápidas, com atores não creditados e que serviria
como uso imediato, para logo depois o filme ser esquecido ou jogado fora. Como
os vaudevilles eram de certa forma marginalizados, estes filmes não sofriam
censura e eram exibidos normalmente."
Aos poucos, o pornográfico ganhou cada vez mais espaço. Na Europa, os filmes
chegaram ao explícito com mais velocidade que os norte-americanos. Há registros
de fitas explícitas de 1910. Entretanto, comercialmente, os primeiros filmes
explícitos do cinema pornográfico foram produzidos em Buenos Aires, na
Argentina, em 1904 e de lá exportados para o mundo todo, inclusive para os EUA.
Porém, precisar a data exata do primeiro filme pornograficamente explícito é
quase impossível, principalmente porque não havia uma preocupação em registrar
este tipo de dado na época "Free Ride" (1915) e "On The Beach” (1916) podem ser
tidos como os primeiros filmes oficiais do cinema pornô, ainda que não tenham
sido lançados comercialmente nos cinemas. Eram exibidos especialmente em
bordéis. Repleto de humor e cenas explícitas, os dois filmes foram produzidos
por pessoas do meio cinematográfico, aplicando todas as técnicas de ponta
disponíveis na época.
Nas décadas seguintes, o cinema pornográfico vivia na marginalia, sem fazer
parte de um circuito comercial grande. Por incrível que pareça, foi também um
período de fertilidade criativa de autores, que tinham todo um campo aberto para
explorar cenas explícitas com outras suaves para criar trabalhos de forte
estética.
Foi no final da década de 1960 que o cinema pornográfico ganhou os cinemas. O
senso comum afirma que o primeiro filme lançado foi "Mona, A Ninfa Virgem", de
1970, seguido por "Flesh Gordon". Porém, um pouco antes disto, cineastas
europeus, em especial os italianos como Tinto Brass e até mesmo o gênio Pier
Paolo Pasolini, já investiam no explícito como parte integrante da narrativa.
A chegada dos filmes pornográficos aos cinemas criou novas ondas na indústria e
uma nova maneira de encarar a maneira de produzi-los. Se antes quase não havia
preocupação com qualquer tipo de enredo, os novos filmes agora necessitam do
absurdo para criar uma linha narrativa. Foi também quando surgiram os famosos
"cumshots" (cenas de ejaculação) para finalizar a cena, padrão este que continua
como um dos mandamentos do estilo.
Eram os momentos de expansão e definição de dogmas e clichês. Anal, orgias, gang
bang, dupla penetração, os chamados faciais, gape e a importação do bukkake (de
origem japonesa) dominaram a maneira de narrar a história. Filmes como "Garganta
Profunda" e "Emmanuelle" formam a Bíblia do gênero atual. Junto com isto, Europa
- com seu "Le Ore", da Itália, e Japão com seu "Joshikosei" (garota de escolha)
em cenas que simulavam um snuff movie - também investiram pesado em suas
produções, quebrando barreiras e reinventado o jeito de fazer cinema. Não à toa,
muito do cinema independente norte-americano da década de 80 incorporou algumas
idéias surgidas no cinema pornô.
Com a invasão dos videocassetes na década de 80, os filmes pornôs ganharam os
lares de todo mundo e surgiu também a constelação de astros, as atrizes como
gancho da película - muito mais importante que diretores e enredo. Isto mudou na
década de 90, com as grifes tomando conta do mercado e se tornando referência,
como a Buttman. Atualmente, com o mercado forte e rentável, os gêneros se
firmaram. Há os filmes de alto orçamento, geralmente com atrizes famosas e com
enredo, e os amadores, onde a idéia é justamente não parecer em nada
profissional e que fazem sempre relações teoricamente proibidas (médico e
enfermeira, pai e babá, etc.). Há também os chamados softcores, que não mostram
genitálias e nem cenas explícitas. Outra regra imutável são as inúmeras
seqüências de filmes, que chegam até a ter quarenta ou cinqüenta continuações.
Independente de seu status industrial, o cinema pornográfico é capaz de produzir
interessantes pérolas cinematográficas, em geral por sua ousadia ou falta de
medo em transgredir. Diretores, em incansável busca de diferenciação, são
capazes das mais espetaculares mudanças radicais de narrativa ou até mesmo no
uso da fotografia, já que o conteúdo, em si, raramente foge de seu objetivo
máximo: entreter os espectadores e excitá-los. Neste aspecto, o estilo "baseado
no real" surgiu e foi amadurecido em obras pornográficas, assim como também o
uso diferenciado de cores para dar contornos narrativos às ações. Como
praticamente vale tudo, o cinema pornográfico não hesita em arriscar. E, em
arte, o risco quase sempre é um fator crucial.
Este aspecto transgressor nem sempre é encontrado, já que a massiva produção
impede a existência de tempo para uma produção um pouco mais detalhada, como era
comum na década de 1970. Junta-se a isto o regime exploratório da indústria, que
consome suas atrizes e atores ao máximo, em não poucos casos, quase de maneira
criminosa. Mesmo assim, o cinema pornográfico permite, ao brincar com a libido,
momentos de sublimação artística na formação da arte seqüencial em movimento. É
a maneira de fazer cinema que não aceita covardias. Algo que, atualmente, parece
ser a regra de muitos gêneros do cinema.
Alguns dos principais filmes:
Behind the Green Door (1972)
Primeiro filme lançado no cinema em todos os estados dos EUA. Feito pelos irmãos
Mitchell, é estrelado por Marilyn Chambers.
Debbie Does Dallas (1978)
Estrelado por Bambi Woods e Christie Ford, com o nome de Misty Winter. Na década
de 90, ganhou uma encenação na Broadway, claro, sem cenas de sexo.
Deep Throat (1972)
Dirigido por Gerard Damiano e estrelado por Linda Lovelace, o filme foi o
primeiro sucesso mundial do cinema pornográfico.
Emmanuelle (1974)
Emmanuelle ou Emanuelle é a personagem de filmes softcore francês criado por
Emmanuelle Arsan no romance "The Joys of a Woman". O primeiro filme foi feito na
França em 1969 e a versão que ganhou o mundo foi refeita nos EUA com Sylvia
Kristel no papel título.
The Devil in Miss Jones (1973)
Justine Jones comete suicídio e vai parar no inferno, onde o diabo oferece a
chance de mais uma vida, agora como libertina. Georgina Spelvin é a atriz no
primeiro filme que quebrou a barreira dos US$ 50 milhões de lucro.
The World's Biggest Gang Bang (1995)
240 minutos de filme sobre a tentativa de Annabel Chong (Grace Quek, seu nome
real) de fazer sexo com 300 homens em janeiro de 1995.
Leia também:
A Literatura Erótica,
por Danilo Corci
Texto
cedido pelo site Speculum
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