Memória de Quem Fica
por Danilo Corci
Fotos: Divulgação
Speculum
09/09/2005

18 de julho de 1994, um dia marcado para sempre na história da Argentina. Ao acordarem em uma segunda-feira fria e cinzenta em Buenos Aires, a primeira providência foi amaldiçoar o tetracampeonato brasileiro na Copa do Mundo dos EUA. Isso até o bairro de Onze ser sacudido pelo maior atentado já acontecido na América Latina. A sede da AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), em pleno preparativo para seu centenário, foi aos ares. 85 vidas foram ceifadas e mais de trezentas pessoas foram mutiladas.

A ferida dos atentados não cicatrizou. Em parte porque, dez anos depois, o julgamento dos responsáveis tornou-se um espetáculo típico de uma republiqueta de bananas, com provas desaparecidas, acobertamento por parte do juiz e liberdade para os acusados. Mas as marcas daquele 18 de julho continuam em cada ponto do bairro, e em cada árvore da rua: cada uma delas com uma placa com o nome e a data de nascimento de cada morto. A calçada do prédio exibe uma faixa erguida com o nome de todas as 85 vítimas fatais e um local especial onde se pode acender velas para os mortos. Ninguém quer esquecer.
Ninguém deve esquecer...

Foi assim que um grupo de dez cineastas argentinos resolveu colocar todo este protesto, este clamor por justiça e lembrança para sempre nas telonas. Memória de Quem Fica (18-J, Argentina, 2004) vai atrás da explicação sobre o desenrolar do atentado ao invés de sua causa intrínseca. Uma assustadora incursão às pilantragens e descaso das autoridades latino-americanas.

Adrián Caetano dita a poética da explosão logo na abertura do documentário ficcional. Repleto de belas cenas, ele atesta que apenas um cego não se importa. Já Daniel Burman busca nos sentimentos, todas as respostas perdidas ao narrar o comportamento pós-atentado dos moradores do Onze. Lucía Cedrón é mais perspicaz e versa sobre um casal de velhinhos que se prepara para viajar a Israel para reverem a filha e o neto. Mas o 18 de julho acaba por inverter essa ordem...

Alberto Lecchi aponta a amplitude do ato terrorista ao centrar sua trama no desespero de uma mãe de Jujuy, distante quase dois mil quilômetros de Buenos Aires. Já Juan Bautista Stagnaro entrega a mais complexa e bela história da obra conjunta. As agruras de jovens com a prova final de literatura, numa modular apropriação de A Divina Comédia, de Dante. Marcelo Schapces expõe os clichês ao retratar um garoto de treze anos em dúvida com sua religião.

Por sua vez, Mauricio Wainrot faz a mais cerebral e hermética apresentação, ao narrar o atentado através de uma peça de dança. O melodrama é o tema de Adrián Suar, que enquanto rola a cerimônia de circuncisão do sobrinho, o tio, recém-chegado a Buenos Aires, perde a vida. Fechando o documentário, vem a acusação e a memória. Alejandro Doria coloca a atriz Susú Pecoraro para cobrar justiça. Já Carlos Sorín usa a ária Rinaldo, de Haendel, enquanto fotos dos 85 mortos passam sucessivamente.

Memória de Quem Fica acerta ao não investigar a causa - quase sempre inexpugnável - mas em cobrar resultados - nos dois últimos opus de forma virulenta. Entretanto, de maneira geral, o filme é morno, sem grandes sacadas devido à estética linear da abordagem. Mas é um belo idílio sobre as conseqüências da estupidez. Stagnaro que o diga.


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Texto cedido pelo site Speculum