"Melinda & Melinda"
por
Marcelo Costa maccosta@hotmail.com
27/05/2005
Para facilitar as coisas, para vocês e para mim, vamos dizer
que existem dois tipos de bons filmes:
a) aqueles que te conquistam na sala da cinema com imagens,
textos, passagens matadoras, e você adora, mas que esquece logo
depois que vira a esquina em direção à sua casa. b) aqueles
filmes que fazem você ficar pensando por dias nas malditas minhocas
que o cineasta enfiou em sua consciência.
O gênio Woody Allen é mestre nos filmes da segunda categoria,
mas vinha, ultimamente, exercitando os da primeira, o que de
certa forma dava um prazer aqui (O Escorpião de Jade,
2001), rendia risadas ali (Dirigindo no Escuro, 2002)
e até decepcionava um pouco (Igual a Tudo na Vida, 2003).
Boas novas: Melinda & Melinda, 34º filme do diretor,
aposta na segunda categoria, e é o melhor filme dele nos últimos
cinco anos.
A rigor, Melinda & Melinda chega ao País com um ano de
atraso, no momento em que ele acaba de apresentar em Cannes
seu novo filme, Match Point. O atraso, porém, não atrapalha
os filmes do diretor, cada vez mais atemporal em suas histórias
movidas a jazz, piadas de psicanalista e romances imperfeitos.
Em Melinda & Melinda, quase tudo que é obrigatório em
um filme de Woody Allen está na tela, com a grande exceção sendo
a sua ausência como ator (e que, realmente, faz falta. Só Allen
sabe interpretar com magia seus personagens malucos). Porém,
esta pequena falta não compromete a qualidade de Melinda
& Melinda, que está longe, muito longe de ser um Annie
Hall, 1979, (ou um Hannah e Suas Irmãs, 1986), mas
faz bonito ao lado de Trapaceiros (2000), de Descontruindo
Harry (1997) e de Poucas e Boas (1999). Aliás, quantos
cineastas são tão prolíficos quanto Woody Allen?
Melinda & Melinda parte do pensamento clichê de que tudo
na vida depende da forma que cada pessoa enxergue as coisas.
"A vida pode ser uma tragédia ou uma comédia, depende de como
se olha para ela", diz uma mulher sentada a mesa de um bar com
mais três amigos. Um deles acredita que a vida é trágica. O
outro só vê comicidade nos rumos da dita cuja. Para exemplicar
sua história, um dos dois homens (ambos diretores de teatro)
conta uma história (teoricamente real) de uma pessoa que chega
a casa de amigos, sem avisar, no meio de um jantar (de negócios,
não oficialmente). "Isto seria um ótimo gancho para uma comédia",
diz um. "Que nada, isso seria triste. Já estou vendo a tragédia
que iria ocorrer", diz o outro.
Com esse mote nas mãos, Woody Allen nos conta a história - partindo
dos pontos de vista dos dois diretores a mesa - de duas Melindas,
que chegam sem avisar a casa de suas amigas, no meio de um jantar.
Radha Mitchell (de Em Busca da Terra do Nunca) encarna
as duas Melindas com sublime desenvoltura. As duas são depressivas,
mas uma delas ainda consegue ver sinais de coisas boas no mundo
(apesar de insistir em digerir 28 calmantes com vodka) enquanto
a outra vive aguardando o momento em que a vida vá lhe passar
uma rasteira novamente (embora tenha acabado de conhecer um
pianista espirituoso e galante).
O choque destas duas tramas permite que Woody Allen exercite
seu papel de contador de histórias, e, sobretudo, reafirme suas
opiniões a respeito de fidelidade, amizade, falta de comunicação
entre as pessoas, e amor, esse maldito sentimento que nos faz
realizar coisas absurdas e terrivelmente constrangedoras, e
pior, não sentir a mínima vergonha disso. Porém, na verdade
o que o diretor deixa explícito em Melinda & Melinda
é que o amor, ou a traição, ou o acaso, e a comédia
e a tragédia, podem ser lidos de forma cômica ou trágica,
dependendo do olhar particular de cada pessoa sobre o fato em
questão.
Com um tema simples a mão, Allen consegue brincar com as idéias,
dizendo que a vida não é nem comédia e nem tragédia, e sim o
que nos fazemos dela. Um dos geniais cartazes do filme traz
Allen segurando em cada uma das mãos uma daquelas famosas máscaras
teatrais que simbolizam a alegria e a tristeza. Como marionetes,
cada um pode ler a história da vida de outra pessoa da forma
que bem entender. O interessante é aplicar a simbologia sobre
sua própria vida, e lembrar que hoje, quietinhos em nossa própria
segurança, rimos de momentos trágicos de nossas histórias. Mas,
citando diretamente Annie Hall, o diretor ainda releva
a discussão quase ao fim do filme, mostrando que na verdade
não importa se a vida é trágica ou cômica, o que realmente importa
é que ela é curta. Passa rápido demais. Divirta-se. Allen faz
isso todos os anos.
Melinda & Melinda vai além de que Dirigindo No Escuro,
Igual a Tudo na Vida e O Escorpião de Jade. Está
no mesmo nível que Trapaceiros (que analisava a equação
dinheiro = felicidade)
e faz pensar enquanto entretem. Minha vida, de diversos ângulos,
é uma tragédia grega. E eu vivo rindo de tudo isso...
Leia também:
Igual a Tudo
na Vida, por Marcelo Costa
Dirigindo no Escuro, por Marcelo Costa
O Escorpião de Jade, por Marcelo Costa
Trapaceiros, por Marcelo
Costa Woody Allen, Uma Trilogia,
por Eduardo Fernandes
Poucas e Boas, por Eduardo
Fernandes
Site Oficial de "Melinda & Melinda"
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