"Match Point"
por
Marcelo Costa maccosta@hotmail.com
30/01/2006
Não adianta ser muito bom em algo se você não tiver um pouquinho
que seja de sorte. Partindo desta premissa, o diretor Woody
Allen realizou o filme menos Woody Allen de sua carreira recente,
e acertou em diversos quesitos: Match Point é o melhor
filme do homem desde Tiros na Broadway, de 1994, batendo
obras elogiadas como Desconstruindo Harry, Poucas e Boas
e Melinda & Melinda. Allen recebeu quatro indicações
ao Globo de Ouro pela obra: melhor filme, melhor diretor, melhor
roteiro e melhor atriz coadjuvante, Scarlett Johansson. E segue imbatível em indicações ao Oscar de Melhor Roteiro: são 14 ao todo, incluindo este Match Point.
A rigor, quase tudo em Match Point é diferente do que
seria usualmente em um filme de Woody Allen. Desta forma, sai
a Nova York do dia-a-dia e entra a glamourosa Londres de belos
teatros, museus e cartões postais. Sai o jazz antigo e entram
árias de óperas, a maioria de Verdi, interpretadas por Enrico
Caruso, famoso tenor do início do século XX. Sai a comédia de
costumes e entra um drama de suspense. Saem os longos diálogos
que se atropelam. O próprio Woody Allen sai da tela, deixando
o brilho para a ótima (e nervosa) atuação de Jonathan Rhys-Meyers.
E entra Scarlett Johansson transbordando sexualidade.
Após exibir os dois lados de uma mesma moeda em Melinda &
Melinda, Allen centra foco na luta de classes e fisga apenas
o olhar dos derrotados, aqueles que numa partida de tênis, quando
a bola resvala na fita, vêem a bolinha beijar seu próprio campo
ao invés do campo do adversário. No caso de Match Point,
o local do campo influenciou decididamente no jogo. Só mesmo
nas Ilhas Britânicas para Allen investigar, com olhar de americano,
a quase impenetrável casta de classes inglesa com tanta soberba,
sarcasmo e seriedade.
Jonathan Rhys-Meyers é Chris Wilton, um tenista irlandês de
origem pobre que abandonou uma proeminente carreira nas quadras
e se vê em Londres ministrando aulas do esporte em um clube
fechado. Não demora muito para que Chris conheça Tom Hewett
(Matthew Goode em ótima atuação de ator coadjuvante), filho
de uma família rica, que o introduz no circulo familiar, e numa
espiral de sorte e acasos. Chloe (Emily Mortimer), irmã de Tom,
se apaixona por Chris, que, no entanto, se apaixona por Nola
(Scarlett Johansson), que ele descobre depois estar noiva de
seu futuro cunhado. Amor e dinheiro em jogo.
O tema acima poderia ser desenvolvido como uma comédia, mas
Allen, notadamente inspirado em Dostoievsky, o transforma em
tragédia. A escolha do diretor soa acertada. Match Point
é um filme frio, denso e tenso. Rhys-Meyers brilha e coloca
profundidade em Chris Wilton, relembrando o personagem Elliot,
em interpretação que rendeu um Oscar para Michael Caine, de
Hannah & Suas Irmãs, que é quase consumido pelo desejo,
mas vê tudo evaporar após a consumação do ato. O triângulo amoroso
de Crimes & Pecados faz deste filme parente de Match
Point, mas enquanto lá havia comédia intercalada com suspense,
aqui Allen vai seduzindo o espectador sem dar a ele momentos
cômicos até o momento final, que destaca a ironia de um mundo
cuja justiça é cega e o destino um golpe de sorte. Sorrisos
nervosos, clama Allen.
Um espectador desavisado talvez desconheça a mão de Allen na
direção tamanho o exercício de estilo. Nada remete ao diretor
que todos conhecemos. E esta é, sem dúvida, a grande virtude
do filme, pois fãs do cineasta vão enxergar aqui e ali detalhes
conhecidos (a classe de psicanalistas é citada apenas uma vez,
e de maneira quase imperceptível) enquanto detratores deverão
enxergar uma trama esperta conduzida com sutileza (Bergman é
influência direta, reconhecem alguns críticos), que supostamente
não traz nenhuma relação com o universo Woody Allen, mas ganha
contornos dramáticos na análise que o cineasta faz não só da
sociedade inglesa, mas também de justiça, felicidade e da sorte.
Em um filme comum de seu currículo, estes objetos de estudo
surgem embalados em tiradas cômicas que disfarçam o gosto amargo
do julgamento do cineasta. Aqui não: Allen é direto, preciso
e desconfortavelmente genial.
Se quase tudo soa diferente em Match Point, e isso fez
com que o filme sem tornasse um dos melhores de Woody Allen
nos últimos dez anos, algumas coisas nunca mudam, mesmo que
ele tenha feito o filme mais europeu de sua carreira: continua
a fixação do diretor por filósofos (Sófocles é o escolhido da
vez), romances proibidos e um falso final feliz. Woody Allen
precisou deixar de ser Woody Allen para voltar a fazer cinema
clássico. Match Point é trágico como história, mas genial
como cinema.
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Oficial do filme "Match Point"
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