"Mar Adentro"
por
Marcelo Costa
Fotos - Divulgação
maccosta@hotmail.com
09/03/2005
O
diretor Alejandro Amenábar conseguiu praticamente o impossível
com Mar Adentro: fazer um filme extremamente leve sobre
um assunto bastante pesado: a eutanásia, ou, sendo direto, o
direito que cada pessoa tem de querer morrer dignamente. Mais
do que fazer um filme lírico, Amenábar conseguiu driblar a barreira
das Academias, e saiu ovacionado de Veneza, festejando ainda
Baftas, Goyas, Globo de Ouro e, por fim, o tão sonhado (para
os brasileiros) Oscar de melhor filme estrangeiro. Merecidamente.
Mar Adentro conta a história verídica de Ramón Sampedro
(interpretado magnificamente por Javier Bardem), um homem que
luta para ter o direito de pôr fim à sua própria vida, após
viver 28 anos preso a uma cama, devido a um acidente que o deixou
tetraplégico. Mais do que a temática tabu da eutanásia, Mar
Adentro exibe a história de um homem completamente lúcido,
"uma cabeça viva dentro de um corpo morto", que precisa que
outra pessoa lhe ajude a morrer, já que ele mesmo está impossibilitado
de fazer isso.
Deitado em sua cama, Rámon recebe os cuidados da família de
seu irmão, que não aceita, de forma alguma, a eutanásia. "Se
você quiser morrer, não vai ser nessa casa", diz o irmão
mais velho. Ainda assistem à luta de Sampedro contra as autoridades
espanholas a esposa do irmão, seu sobrinho, e seu pai, que em
uma comovente passagem, salienta que "mais duro do que ter um
filho morto é ter um filho que quer morrer".
Não bastasse a família ser contra, a igreja e a justiça também
não aprovaram seu desejo. Um padre, também tetraplégico, tentou
conversar com Rámon, mas acabou "perdendo" no discurso moral.
A justiça não aceitou seu testemunho, mesmo com Rámon tendo
viajado por horas para participar da análise de seu pedido perante
a corte espanhola. Nada disso, no entanto, demoveu Rámon de
seus ideais. Na cama, podendo mexer apenas a cabeça, o jovem
começou a escrever livros, e a planejar sua despedida do mundo.
Amenábar passa do mundo dos mortos, que já havia rendido os
bons Abra Los Ojos e Os Outros, para o dos vivos
que desejam morrer explorando o tema com extrema delicadeza.
Nas mãos do diretor, o filme ganha força em sua leveza, amparando-se
de forma extremamente poética nos escritos deixados por Rámon
Sampedro, e que foram compilados nos livros Cuando Yo Caiga
e Cartas Desde el Infierno.
Mais do que uma defesa a eutanásia, porém, Mar Adentro
se apega no direito que cada pessoa tem de ser livre, e fazer
o que quiser com sua própria vida, para demonstrar que Sampedro
se apoiava no pensamento de que viver era um direito, não uma
obrigação. E ele queria renegar esse direito, devido às suas
condições.
Difícil dizer se ele estava certo, pois não dá para imaginar,
de nenhuma forma, o que é passar 28 anos preso a uma cama, sem
poder se mexer, completamente dependente de outras pessoas,
e tendo a cabeça totalmente lúcida. Porém, se do lado de Rámon
estava um homem que se julgava condenado a viver todos os seus
dias deitado em uma cama, do outro fica a família que o ama,
os amigos que o admiram, pessoas que não desejam que ele "parta"
para outra vida, e que sofrem horrores com sua escolha.
A história de Mar Adentro convida o espectador a uma longa reflexão.
Amenábar poderia ter descambado para o dramalhão sentimental,
mas conseguiu realizar um filme surpreendentemente tocante sobre
um tema polêmico. Um filme triste e muito bonito.
Links
Site Oficial do filme
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