"Manual do Amor"
por Marcelo Costa
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10/04/2006

"Primeiro o amor, depois o desencanto". O título do livro de Douglas Coupland é perfeito para resumir os relacionamentos humanos no quesito romance, quase sempre. Na verdade, estamos todos em busca do relacionamento – quase – perfeito, que dure para sempre ou, ao menos, até que a morte os separe. Porém, parafraseando Claudia Tajes em Dez (Quase) Amores, enquanto o par certo não aparece, vamos nos divertindo com os errados. Por tudo isso, na hora que ultrapassamos a linha que separa um flerte de um romance, estamos (todos) seguindo a rotina ultra-básica dos relacionamentos.

As fases do amor são tão clichês que chega a ser hilário sofrermos tanto com o coração partido, mas é necessário, bastante necessário, como exemplifica o fofo e piegas filme italiano Manual do Amor (Manuale D'Amore, 2005). Intercalando quatro histórias que representam as quatro fases de um relacionamento segundo o diretor Giovanni Veronesi - "a paixão, a crise, a traição e o abandono" -, Manual do Amor soa didático e envolvente, embora esteja próximo da caricatura romântica em alguns momentos, o que é perfeitamente defensável pelo assunto que aborda. Chega a incomodar a opção do diretor em "breganizar" algumas passagens, mas é bom lembrar que quase todo mundo comete atos de insanidade romântica, dos mais diferentes níveis e maneiras, quando está apaixonado.

Em Manual do Amor, tudo começa com Tommaso (Silvio Muccino), que se apaixona à primeira vista por Giulia (Jasmine Trinca) após uma brincadeira do acaso. Giulia está saindo com um outro rapaz, mas a insistência de Tommaso, que marca ponto na frente da casa da moça e liga todos os dias, faz com que ela ceda um pequeno espaço em sua vida para ele, e o amor não precisa de muito mais que uma frestinha no coração para se instalar e, desapercebido, tomar a alma da outra pessoa. É mais ou menos o que acontece com Giulia, que se vê se apaixonando pelos detalhes de Tommaso após uma resistência inicial. A insistência do rapaz, no entanto, chega a incomodar, e se Veronesi acredita mesmo na vitória da persistência, muitas meninas talvez tenham que agüentar rapazes chatos e apaixonados inspirados em Tommaso.

A segunda história é a mais fraca das quatro. Discorrendo sobre a crise nos relacionamentos, o diretor vai ao limite do brega para exibir as diferenças entre Marco (Sergio Rubini) e Barbara (Margherita Buy), cujo casamento passa por diversas dificuldades. Uma dança de acasalamento presenciada pelo casal em uma ilha é um espetáculo constrangedor, desenhando o personagem feminino com ares de inocência enquanto o homem é retratado como um ser pré-histórico. Alguns bons diálogos se salvam neste trecho, mas, em geral, a segunda história carece de força cinematográfica para ilustrar o tema.

A traição é o próximo tema discutido por Veronesi, que coloca nas costas de uma policial a árdua tarefa de se descobrir traída pelo marido. Ornella (Luciana Littizzetto) deixa a casa após descobrir que Gabriele (Dino Abbrescia), seu marido com cara de paspalho, a traia com uma professora da filhinha do casal. Ornella é um dos personagens mais divertidos do filme, descarregando em qualquer homem a ira pela traição do marido. E da-lhe uma sessão de multas de trãnsito de congestionar a cidade. Porém, se o personagem de Ornella é interessante, o desfecho da história é, novamente, piegas.

Para fechar sua "tese" das fases do amor, o diretor flagra um pediatra bem-sucedido reduzido a nada ao ser abandonado pela mulher. Goffredo (Carlo Verdore) faz tudo que pode para ter a ex-mulher de volta, mas o amor acabou e a hora, agora, é de esquecer. Na tentativa vã de seguir em frente, o pediatra acaba por se meter em hilárias confusões, que incluem se envolver com alguns dos personagens das tramas anteriores, e caminhar na linha fina que separa um fim de um recomeço. Dos quatro episódios, este é o mais bonito.

A rigor, Manual do Amor é um filme bonitinho, mas bem ordinário, que poderia muito bem ser a versão cinematográfica para o ótimo Ensaios de Amor, do escritor suiço Alain de Botton, que flagra uma história romântica de seu início em um encontro casual até o seu final quase trágico tendendo ao pastelão. Alain de Botton é muito mais conciso e menos piegas que Veronesi, mas é certo que ambos enxergam nos relacionamentos humanos uma tragicomédia de efeitos circulares numa equação que defende que você irá rir amanhã daquilo que te fez sofrer ontem. É claro que essa visão leve, bem humorada e muitas vezes piegas dos relacionamentos humanos não vai acalmar o coração de nenhum sofredor romântico. No entanto, quer saber como funciona uma paixão? Assista ao filme de Giovanni Veronesi e leia o livro de Alain de Botton. Depois não diga que não sabia de nada quando se apaixonar novamente...