Lisbela e o Prisioneiro
por
Júlia Marina
julia@areaweb.com.br
25/08/2003
Após ficar anos em cartaz,
a peça teatral "Lisbela e o Prisioneiro", texto do pernambucano
Osman Lins, é levada agora às telas de cinema, com praticamente
o mesmo elenco, trocando-se o papel de alguns atores. Guel Arraes, parte
essencial do núcleo mais criativo da TV Globo ("Os Normais", "A
Grande Família", "Casseta e Planeta", entre outros) e de produções
televisivas adaptadas para o cinema ("O Auto da Compadecida" e "Caramuru")
dirige agora esta fábula nordestina, que estréia corajosamente
em mais de 200 salas do país - "Cidade
de Deus", que ultrapassou os três milhões de espectadores,
foi lançado em apenas 80 salas.
Trata-se de uma comédia romântica,
com todos os clichês que o gênero pede. Aliás, é
exatamente aí que o filme se apóia, sendo uma sátira
bem humorada dos casos de amor no cinema. Desta vez, Arraes se introduz
ao mundo suburbano do Nordeste, com personagens típicos do interior
do país. E como dizem por aí, o que faz a história
é a maneira como ela é contada. E "Lisbela e o Prisioneiro"
vai fundo no superficial, e espreme o que há de melhor em um tema
tão corriqueiro.
Lisbela (Debora Falabella), filha
do delegado da cidade, o bravo Tenente Guedes (André Matos), se
apaixona por Leléu (Selton Mello), um tipo de artista mambembe,
que além dos espetáculos que realiza e das poções
milagrosas que vende, passa o tempo conquistando mulheres casadas da região.
Acontece que Lisbela está prestes a se casar com um playboy metido
a carioca (vai ser difícil não dar umas boas risadas com
essa figura, interpretada por Bruno Garcia), que fará de tudo para
acabar com a raça de Leléu. E não é só
ele que está a caça do mulherengo. O terrível matador
Frederico Evandro (Marco Nanini) não se conformará em ver
sua mulher (Virgínia Cavendish) nos braços de outro, e promete
morte ao rapaz. Selton Mello, por sinal, confirma seu talento, em um personagem
brincallhão, irônico e despojado, que ainda consegue ser,
ao mesmo tempo, profundo e poético.
O roteiro leva a assinatura de Arraes,
junto com o talento do cineasta Jorge Furtado ("O
Homem que Copiava") e do ator Pedro Cardoso. Foi concluído enquanto
a peça ainda estava em cartaz e após a sua exibição
como especial na TV. O ritmo frenético, inundado em cortes, segue
a tendência do diretor, acostumado com o sistema televisivo, em que
é preciso, ao máximo, prender a atenção. Mas
é a vivacidade nordestina, o colorido da roupagem e o cantando da
fala pernambucana, aliados às excelentes interpretações,
ora cômicas, ora trágicas, e à adequada trilha sonora,
que nos amarram a esta trama genuinamente brasileira.
Sem contar a criatividade usada para
mostrar o encanto de Lisbela pela sétima arte, onde encontra refúgio
para o seu desamor, mesclando o sonho cinematográfico dos clássicos
hollywoodianos, à vida real da mocinha. Enquanto assiste aos capítulos
de seus clássicos prediletos, ao mesmo tempo ela narra e antecipa
os acontecimentos de sua vida, havendo uma curiosa interação.
Este intercâmbio entre a tela de cinema e a vida do espectador também
encerra o filme, que ainda possui finais alternativos.
A trilha de João Falcão
e do músico André Moraes não poderia ser melhor, em
sincronia com o tema e seus personagens. Inclui Caetano Veloso, Elza Soares,
Los Hermanos e Trio Forrozão, ainda dando espaço para a belíssima
parceria de Zé Ramalho com o rock pesado do Sepultura na canção
"A Dança das Borboletas", tema do matador.
"Lisbela e o Prisioneiro" marca, segundo
Arraes, o início do "CPB" (Cinema Popular Brasileiro), que ele diz
se tratar de um novo ciclo dentro da história do cinema nacional.
Assim como em "O Homem que Copiava" de Jorge Furtado, temos as melhores
possibilidades dentro de um tema de simples. A proposta é de um
cinema nacional mais eclético e criativo, com suas ousadias narrativas
e estéticas, que divirta e atinja um grande público, sem
perder a qualidade e as características culturais de nosso país.
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