"A Lenda do Tesouro Perdido"
por Ronaldo Gazolla
Fotos - Divulgação

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16/01/2005

Dúvida: A Lenda do Tesouro Perdido seria um filme fácil ou difícil de ser visto? Não, não se trata de um filme que exija uma profunda reflexão para ser compreendido. Tampouco possui uma trama intrincada ou uma estrutura narrativa difícil de ser acompanhada. É, sim, um filme que parece pedir ao espectador que esqueça completamente que possui um cérebro e embarque na diversão. O problema é que isso é uma coisa extremamente difícil de ser conseguida. É preciso ignorar que tudo aquilo que passa pela tela é absurdo e muito bobo também. Portanto, primeiro é necessário um incrível esforço do espectador para não pensar. Absolutamente nenhuma reflexão lógica pode passar pela cabeça de quem está assistindo. Uma vez alcançada essa tarefa hercúlea, é até provável que consiga se divertir um pouco com o filme.

Logo no início ficamos sabendo da verdadeira obsessão da família Gates, a busca por um tesouro acumulado e escondido por vários séculos em diversos continentes, mas que muitos (ou quase todos) acreditam ser apenas uma lenda. Benjamin (Nicolas Cage) vem procurando esse tesouro praticamente durante toda sua vida, apesar da descrença do próprio pai (Jon Voight). Decifrando uma pista, Benjamin descobre que existe um mapa oculto no verso da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Quando o ex-aliado Ian Howe (Sean Bean) resolve roubar a Declaração, Benjamin e o parceiro Riley (Justin Bartha) tentam convencer as autoridades do perigo. Sem sucesso, resolvem eles mesmos realizar o roubo.

Acompanhe bem o raciocínio dos personagens: um vilão malvado com motivações egoístas pretende roubar um documento de imensa importância e valor histórico, e como ninguém acredita na possibilidade, então só o que resta a fazer é roubá-lo primeiro. Um roubo preventivo. Isso parece lógico? Um raciocínio desses parece partir de um sujeito capaz de tomar decisões tão estapafúrdias quanto lançar bombas sobre um país para garantir a democracia e a liberdade local.

Mas até que a trama chegue a este ponto, provavelmente o espectador já terá se acostumado com esse tipo de coisa. Basta ver apenas como o personagem de Cage decifra o primeiro enigma do filme. Ele encontra um texto tão complicado que é difícil até mesmo entender o sentido das frases. Mas não se preocupe, mal acaba de ler e o cara já tem a solução na ponta da língua. Vai ver é um esforço consciente dos roteiristas para evitar que o espectador tenha chance de pensar na solução do enigma, lembrando de que seu cérebro existe.

Exageros como esse povoam todo o filme. Um aparelho localiza um navio (com extensão de vários metros, obviamente) com precisão de centímetros. Depois, após uma escavação que poderia muito bem ter sido feita apenas com as mãos, é revelada justamente a parte do navio que contém a inscrição fundamental para a história. Mais adiante, o herói em fuga decide não ir para a própria casa para evitar o FBI, que certamente já estará à sua espera, e vai parar na casa do pai. Para não falar da personagem de Diane Kruger (um pouco menos insossa do que em Tróia, mas só um pouco), que quer inicialmente entregar Cage às autoridades, mas parece desconhecer por completo a existência de telefones. E assim vai...

Com um nível de exigência próximo do inexistente, ainda é possível que A Lenda do Tesouro Perdido não seja uma total perda de tempo. O diretor Jon Turteltaub (dono de uma carreira inócua, cujos destaques até agora ficam por conta de Instinto, Fenômeno e Enquanto Você Dormia), consegue imprimir um clima tenso nas cenas em que o vilão e o mocinho se encontram, sempre envolvendo algum importante documento ou monumento americano (em especial no roubo da Declaração de Independência).

Algumas cenas são divertidas, como o herói analisando o mapa na Declaração na casa do pai, que não sabe que aquele pedaço de papel velho é a Declaração. Justin Bartha, no papel do típico coadjuvante engraçadinho, tem alguns bons momentos e Nicolas Cage segura bem as pontas e, depois de um período de baixa, parece estar de volta à velha forma. É verdade que ainda mantêm velhas amizades um tanto perigosas, caso do produtor Jerry Bruckheimer, com quem já havia feito A Rocha (que era um pouco melhor), Con Air e o inqualificável 60 Segundos.

E como o nome de Bruckheimer costuma vir acompanhado de polêmica, A Lenda do Tesouro Perdido também tem a sua: as incríveis semelhanças entre a trama do filme e a história do livro O Código Da Vinci. Ambos se concentram em mistérios envolvendo tesouros e pistas deixados em documentos ou obras famosas por figuras históricas importantes. Enquanto o filme compartilha com o livro o mesmo tipo de personagens rasos sem nenhum desenvolvimento, o centro da trama do polêmico best-seller deixa a impressão de ao menos ser possível. É possível acreditar na teoria central do livro, que além de tudo, consegue divertir com alguma inteligência. Já em A Lenda do Tesouro Perdido não há nenhum significado especialmente importante para o tesouro. Por que razão seria necessário escondê-lo?

Não fica claro se há ouro ou coisa parecida entre os artigos. Mas se todos os objetos de valor devem pertencer a museus para que o povo possa vê-los, esconder todo esse material não teria o mesmo efeito do temido egoísmo de poucos? Novamente é inútil tentar utilizar qualquer lógica. De qualquer maneira, Bruckheimer e os demais envolvidos juram que não plagiaram o livro e que o projeto estava em desenvolvimento muito antes do sucesso de O Código Da Vinci. Quando souberam do livro também souberam que todos iriam achar que o filme era um plágio. Bom, pelo menos em relação a esta afirmação, eles estavam certos.


Site Oficial do filme