Lara Croft Tomb Raider: A Origem da Vida
por C. Lopes
clopes@areaweb.com.br
18/08/2003

Existem duas opções básicas para garantir que um filme tenha audiência: uma é pegar carona naquilo que deu certo, que já tem um público cativo, como personagens de quadrinhos, livros ou games. A segunda opção é ter um astro e/ou estrela no elenco. "Lara Croft: Tomb Raider" utilizava as duas opções ao mesmo tempo. No primeiro episódio da franquia tanto Lara Croft, a personagem, quanto Angelina Jolie, a atriz que a encarnava, estavam no auge da fama. Mesmo tendo o sutiã aumentado uns três números com o auxílio da computação gráfica, a moça tinha os atributos físicos necessários para ser a representação em carne (e bota carne nisso) e osso da heroína dos jogos para computador. Por isso o filme era só uma overdose de cenas com a atriz, deixando de lado detalhes insignificantes como um roteiro que fizesse sentido ou personagens secundários interessantes. Angelina e seu corpão sustentavam toda a história, e garantiram o sucesso do longa nas bilheterias. 

Com o sucesso veio a miopia dos produtores, que acharam que podiam colocar qualquer coisa na tela, que a fama da personagem virtual e a gostosura de sua intérprete fariam com que muita gente gastasse seu rico dinheirinho indo ao cinema. E "qualquer coisa" não é figura de linguagem: para "Lara Croft Tomb Raider: A Origem da Vida" (Lara Croft and the Cradle of Life: Tomb Raider 2 - EUA, 2003) foi contratado o diretor Jan de Bont, responsável por algumas das obras mais bizonhas a serem exibidas em uma tela grande, como "Twister" e "Velocidade Máxima 2" – provavelmente a única coisa de que o cantor baiano Carlinhos Brown participou em que não teve parcela de culpa pelo resultado desastroso. O roteiro deste segundo episódio é um samba do crioulo doido, ainda mais confuso do que o do filme anterior: depois de um terremoto na Grécia, as ruínas do Templo Luna, construído por (segundo o filme) Alexandre, o Grego – que era macedônio, mas vá lá, não daria pra espera uma aula de história mesmo – são descobertas. Neste templo está um globo que indicaria a localização da Caixa de Pandora. 

Diretamente dos anais da Biblioteca do Escoteiro Mirim, aí vai a explicação sobre o mito grego para quem não o conhece: Pandora seria uma mulher criada por Hefaestus, o deus ferreiro, para ser a guardiã de uma caixa que continha todos os males existentes. Logicamente a Caixa acabou sendo aberta na Terra, e deu no que deu. Todas as desgraças do mundo, da fome até a campanha do Flamengo no Campeonato Brasileiro, seriam conseqüências da abertura da Caixa. Como não poderia deixar de ser, um cara mau chamado Jonathan Reiss (Ciarán Hinds) está atrás do objeto para usá-la como arma. Para ajudar a heroína a recuperar o globo roubado por um grupo de criminosos chineses contratados por Reiss e impedir os planos do cara mau, surge Terry Sheridan (Gerard Butler), ex-namorado de Lara e ex-integrante do bando chinês. Jogaram essa bagunça toda no colo de Angelina Jolie dizendo: "Taí. Agora, como estrela que se preze, transforme isso num sucesso". 

O fracasso foi assustador. Para um custo de U$ 125 milhões, o filme rendeu pouco mais de U$ 50 milhões – lembrando que este custo conta apenas a produção do filme. Com a grana gasta na divulgação, o prejuízo é ainda maior. Este parece ser o resultado mais claro da pressa dos produtores em fabricar estrelas. Se formos rigorosos, só dois atores merecem a alcunha de estrelas e o salário de oito dígitos que recebem: Tom Hanks e Julia Roberts. Os cinco ou seis últimos filmes dos dois tiveram arrecadação acima dos U$ 100 milhões (que caracteriza o sucesso em Hollywood), os dois arrastam multidões aos cinemas independentemente de quem for o diretor ou qual o gênero do longa, os dois carregam filmes ruins nas costas. Mas mesmo assim Hollywood continua tratando muita gente que merecia estar trabalhando por cem real mais o dinheiro do busão como ídolo, simplesmente por que precisa deles. 

O caso de Angelina definitivamente não chega a tanto, mas está claro que ela não tem cacife para suportar sozinha a responsabilidade de fazer de um blockbuster um sucesso, principalmente depois de insucessos como "Pecado Original". Some-se a isso a queda de nas vendas dos jogos de Lara Croft, já que gostosas virtuais já não são novidade, e o erro de colocar tudo nas costas da atriz e da personagem que ela interpreta se torna claro. No primeiro episódio passou, ela estava no auge, havia a novidade. Mas agora que o fator surpresa se esgotou, o público tem que ser reconquistado, ser novamente atraído. Só que não há nada nem ninguém no filme que divida com elas a tarefa de atrair o público. Ao contrário, todos os outros elementos da história jogam contra. 

A direção de Jan De Bont, embora dê alguns bons closes para a atriz (que pele, fala sério), é tão "picotada" que mal dá pra apreciar a beleza da moça, o principal trunfo do filme. O diretor também não consegue dosar as cenas de ação. Elas são confusas, em número exagerado. Neste sentido, o filme se assemelha bastante a um videogame, com os personagens pulando rapidamente de fase. Mas isso não dá ao espectador o prazer ou a adrenalina que se um jogador tem quando realmente muda de fase. Há sempre muita coisa acontecendo, e tudo muito rápido. Não há um clímax, todas acabam com uma sensação de vazio, de algo faltando. Além do mais, muitas são totalmente gratuitas. A história poderia ser contada tranqüilamente se metade dessas cenas fossem cortadas – o mesmo ocorre com as locações. É viagem de um lado pra outro, quase automaticamente. E poucas se justificam, até agora não deu pra entender o que diabos aqueles chineses estão fazendo na história. Alguém cismou de colocar a heroína andando de moto na Muralha da China, e valiosos metros de película são gastos sem nenhuma razão aparente. 

Quanto à protagonista, Lara Croft sofre claramente da síndrome de T.a.t.u.. A dupla pop russa é baseada no conceito mais sedutor que pode existir: colegiais dando uns amassos com a roupa molhada. Mas daí a sair boa música é outra história. O conceito de Lara também é bastante interessante: uma arqueóloga peituda com um shortinho que sai atirando por aí. À primeira vista daria um filme de aventuras legal, já que há um bom precedente para filmes de aventura com arqueólogos. Mas não passa disso, um conceito oco. E não um personagem de verdade. Ela não é bem desenvolvida, não tem personalidade, motivação, nada. Simplesmente porque, como personagem de game, ela nunca precisou. As tentativas de dar alguma humanidade à arqueóloga, inserindo traumas na infância (no primeiro filme) e um romance do passado (neste) não são bem sucedidas. Lara Croft na película parece um robô, e como um robô Angelina Jolie atua. Seu único esforço de interpretação é o sotaque inglês, que, convenhamos, qualquer um consegue fazer depois de ir ao dentista e tomar uma anestesia na boca. 

Os outros personagens são piores ainda. O personagem de Gerard Butler muda de personalidade pelo menos três vezes durante a projeção, e sua antiga relação com Lara Croft é mal explicada. Pior ainda é o vilão vivido por Ciarán Hinds (quem?). Os filmes do Batman ensinaram ao mundo duas coisas. A primeira, que não vem muito ao caso, é que longas também podem ter orientação sexual – "Batman e Robin" é o filme mais gay da história. E a outra, a que se aplica aqui, é que não dá pra fazer um filme de aventura decente sem um bom vilão. Ele é mal interpretado, mal explicado e tem uns ajudantes igualmente sem graça. 

É provável que "Lara Croft Tomb Raider: A Origem da Vida" seja o canto do cisne da heroína dos games na telona. Pelo resultado final do filme, não há muito o que se lamentar. Talvez agora a pressão em cima de Angelina Jolie para que ela seja uma estrela diminua um pouco, e ela possa voltar a fazer bons papéis coadjuvantes – nos quais ela se sai bem melhor do que nos principais.