"Entrevista - Isaac W."
por
Leonardo Vinhas
Fotos - Divulgação
lvinhas1@yahoo.com.br
21/02/2005
São inúmeros os fatores, itens e sensações que podem atiçar e até ferver a libido de um indivíduo. Quando uma situação ou objeto ou parte do corpo vira um desses agentes ebulidores, categoriza-se o chamado fetiche. Existem centenas deles catalogados, muitos ainda não listados, por serem demasiadamente inconfessáveis, pífios ou mesmo risíveis (sei de quem gosta de se fingir de estrela-do-mar durante a cópula). Agora pense: se há tantos fetiches, e existe no mundo uma enorme e rentável indústria pornográfica, por que não haveria pornografia fetichista?
Claro que há, e ela é tão diversificada quanto as preferências e taras da humanidade. Um mundo onde nomes como Andrea Neal, Eve Ellis, Lorelei, Gia Mancini (atrizes), Jon Woods, Derek Barker, David Knight (fotógrafos) e muitos outros são celebridades. Mas ninguém é tão bem-sucedido e singular quanto Isaac W., produtor, diretor, fotógrafo e ator de filmes e ensaios fotográficos de bondage.
Bondage, antes que os sabidinhos apressados confundam, não é sadomasoquismo. Não envolve dor, humilhação ou frustração (ainda que consensual), embora use cordas. Tem mais a ver com aquelas pessoas, que parecem ser poucas no Brasil (mas são muitas ao redor do mundo - os americanos e os italianos que o digam), que desde criança se excitavam ao ver aqueles seriados policiais ou de espionagem em que a mocinha aparecia amarrada ou amordaçada, em uma situação de "vítima", mas que não envolvia crime nem violência direta.
Foi trabalhando com esse imaginário que Isaac W, um americano natural de Chicago, construiu a sólida Centaur Celluloid, produtora de vídeos e também site comercializador de fotos. De saco cheio de seu emprego comum (que ele não revela qual era), Isaac adotou o do-it-yourself ao extremo: comprou uma câmera caseira e começou a filmar e mandar seus vídeos para a Harmony Concepts, companhia que na época reinava suprema no ramo. Fez free lances para ela e em pouco tempo montou sua própria produtora.
A câmera caseira ficou na história. Isaac se profissionalizou a ponto de virar referência para demais cineastas do ramo, e mesmo assim não há quem consiga atingir seu padrão, que chama a atenção até de quem acha que corda só serve para laçar bezerros. O que assegura essa qualidade, além do apuro técnico (atingido mesmo com orçamentos baixos), é sua criatividade combinada com sua capacidade de reciclar (ou distorcer) clichês. Tal qual um Tarantino do bondage, esse ruivo de aparência rocker, mas de fino trato, cria as tramas mais inusitadas a partir dos clichês mais surrados. De sombrias relações entre traficantes e viciados (os filmes H e e, iniciais de heroína e ecstasy) até divertidas contendas entre empregadas domésticas (Maids, Inc.), não há assunto que ele não trate com uma abordagem original e envolvente.
Até temas religiosos já entraram em suas películas - no macabro Pride, uma fanática religiosa decide purgar (à força) os pecados de sua devassa colega de quarto, no que é ajudada por um padre cheio das piores intenções (interpretado pelo próprio Isaac), e ainda há a interferência de uma freira que não concorda muito com o plano, tendo seus próprios planos macabros...
Porém, são nas idéias que revolvem os velhos filmes de espionagem ou intrigas policialescas que Isaac se esbalda. Em filmes como The Money, The Process e Ransomed Wife, não faltam vítimas inocentes, reviravoltas e chantagens. Sempre, é claro, de modo a deixar as mulheres bem amarradas e quietas...
O público delira. Tanto que, embora mantenha em segredo os números, seu trabalho é apontado como o mais procurado da Web. E esse trabalho, além da Centaur, compreende o site que montou com sua namorada, Natasha Flade, e atingiu um sucesso que superou até as mais otimistas expectativas, e outro site que opera por créditos (paga-se por ensaio ou vídeo que se queira assistir), Bondage Athenaeum.
Investindo no sexo explícito que não aparece nas produções da Centaur (e em quase nenhuma outra produção bondagista), Isaac e Natasha conseguiram contrariar todos os costumes carolas ao combinar sexo, relacionamentos pessoais e negócios. Natasha é uma bombshell ao gosto dos sonhos eróticos americanos, e foi trabalhar com Isaac para complementar a renda enquanto estava na faculdade de Direito. Não só virou modelo em tempo integral como passou a namorá-lo. O site que leva seu nome veio depois. O dinheiro não pára de entrar, o público pede mais e o casal ganha mais um motivo para se descontrair com vontade em frente às câmeras.
O Scream & Yell entrevistou esse exemplo de empreendedor moderno, que achou uma maneira de se dar bem licitamente às custas do que ele mais gosta. Extremamente solícito, articulado e inteligente, ele só não contou se um dia vem filmar no Brasil...
Podemos começar dos primórdios: o que fez um fã de bondage virar um produtor de bondage?
Desapontamento com minha carreira profissional foi o fator que me motivou a me arriscar a fazer vídeos de bondage para ganhar dinheiro. Para dar os primeiros passos, comprei uma câmera de vídeo caseira, coloquei um anúncio procurando por modelos em um jornal alternativo local, o Metro Times, e fiz um vídeo com vinhetas de mais ou menos duas horas de duração ao todo. Mandei esse vídeo para a Harmony Concepts, a maior companhia de soft bondage da época (1998). Eles responderam e disseram que meu vídeo era bem precário, mas que eu tinha talento para a coisa. Eles me trouxeram até Los Angeles e eu aprendi o básico com Jon Woods e Chelsea Pfeiffer. Cheguei com um roteiro e esse pessoal me deixou filmar com algumas modelos que eles contrataram, Eve Ellis e Lorelei (nota: megaestrelas da companhia) entre elas. Eles me mandaram de volta para casa em Chicago e me disseram para mandar um vídeo por mês Eu segui diligentemente o que aprendi com eles e produzi uma fita por mês. Após um ano desse jeito, eu criei a Centaur Celluloid.
Você já tinha feito alguma filmagem ou fotografia amadora de bondage antes disso?
Várias. Eu estava mandando fotos para a Harmony Concepts desde 1990. Duas namoradas minhas, Becca e Deirdre, apareceram em ensaios das revistas da Harmony ao longo da década de 90.
Mesmo depois de começar a Centaur, você continuou filmando para a Harmony por mais de um ano. Como foi esse outro período da Harmony?
Fazer freelances para a Harmony foi ótimo como um primeiro passo. Até então, essa coisa da Internet como entretenimento estava apenas ganhando terreno. Essa foi a grande transição para a indústria adulta: mudar de pedidos pelo correio e revistas para a Internet. Com a Harmony foi possível divulgar bem o meu nome, com o mínimo esforço. Tudo que eu tinha a fazer era filmar e mandar o vídeo para eles. Eles cuidavam de toda a reprodução, marketing, pedidos, etc. Era fácil para mim. E nesse tempo eu consolidei minhas habilidades de filmagem e edição. Ganhei confiança em tudo que era necessário para tocar a produção de vídeos. Essa confiança, e a falta de dinheiro proveniente das comissões da Harmony, levaram à criação da Centaur Celluloid. Continuei mandando vídeos para a Harmony durante o começo, não querendo abdicar da parcela de dinheiro que vinha deles. E depois de um tempo, só o fiz para ser um marketing extra do meu nome. Meu trabalho é um pouco mais pesado do que aquilo que a Harmony permite, então não havia muito uma relação competitiva. Finalmente, tornou-se muito trabalhoso fazer vídeos para eles e para mim, e dei um fim à série IW (nota: prefixo que antecedia o título de seus mais de 30 vídeos para a Harmony).
Como você apresentaria seus filmes para alguém que não sabe o que é bondage? A propósito, como você definiria bondage para uma pessoa assim?
Bondage é uma expressão de poder em uma situação mais ou menos sexual. Lidamos com a expressão do poder (dominação) de um homem sobre uma mulher, outras companhias podem centrar seu foco no oposto. O bondage NÃO tem a ver com abuso. Essas fantasias brotam em pessoas de ambos os sexos - Natasha tem fantasias submissas, e eu tenho fantasias dominadoras. Nós trabalhamos juntos para satisfazer os desejos um do outro. As fotos e os vídeos que fazemos são nossa imaginação correndo livre por tramas que envolvem bondage. É tudo encenação, brincadeira. Alguns críticos não compreendem o gênero e acham que estamos encorajando o abuso e estupro de mulheres. Nosso trabalho não tem a ver com isso mais que um filme de suspense encoraja alguém a cometer assassinatos.
Que dificuldades você enfrentou nos primeiros anos da Centaur Celluloid?
As dificuldades foram muitas, mas nenhuma insuperável. Primeiro, eu precisei adquirir conhecimento em ser um webmaster e fazer comércio pela Internet. Isso veio devagar. Quanto à minha fotografia, eu aprendi conforme as coisas foram andando. E minhas fotos no começo eram, bem… eram ruins. O dinheiro era escasso, mas o suficiente para pagar as contas. Eu persisti, segui perpetuamente melhorando a qualidade de todos os aspectos do trabalho. Eu era determinado, ambicioso, e tinha confiança em mim mesmo. Essas qualidades essenciais são necessárias para perseverar no início de qualquer negócio.
Lembro que uma vez houve uma acusação de "exposição indecente", ou algo do tipo, porque você estava filmando em um bosque perto de uma escola local. O que aconteceu exatamente?
Nós filmamos o primeiro filme da Centaur numa área florestada de um parque de Chicago. O parque é muito grande, e a frente dele dá fundos para uma escola ginasial. Filmamos nos fundos do parque, a cerca de 800m da área escolar, no meio do mato. E filmamos durante o horário de aulas, então sabíamos muito bem que as crianças poderiam estar ali a qualquer hora! [Tempos depois] duas repórteres apareceram se dizendo modelos procurando trabalho. Uma delas continuou telefonando e pedindo para ser fotografada numa área silvestre, o que era muito incomum. Quando eu finalmente decidi fotografá-la, uma repórter e um cameraman literalmente pularam em nossa frente, dizendo que eu estava tentando fotografar nudez em um parque público. Eles me mostraram no noticiário (em nada menos que um especial em duas partes) como sendo perigoso para crianças - fotografando pornografia "próximo a uma escola ginasial". A matéria até foi batizada de "pornografia no parque". Eu apareci em um popular programa de rádio, contando o meu lado da história, e até coloquei minha própria versão no site da Centaur. Nenhuma das repórteres envolvidas conheceu Natasha, nem sabia que ela era uma advogada. Ela se juntou a um advogado especializado na Primeira Emenda (que garante a liberdade de expressão pessoal e artística a qualquer cidadão) ameaçando processar o Channel 4 por "exposição falseada" - fazer alguém parecer terrível quando não o é. Chegou-se a um acordo.
Nesse ramo, a criatividade não é muito comum, e seu trabalho a esbanja. Você é freqüentemente citado como o mais criativo cineasta do ramo. De fato, você estabeleceu um padrão superior de filmagem e fotografia. É assim que você vê seu trabalho, você concorda com isso?
Estou muito satisfeito com meu trabalho atualmente. Na arena do entretenimento para adultos, e no subgênero do fetiche, tem muito trabalho meia-boca. E eu sempre me esforcei para filmar e fotografar melhor que isso. Sempre quis que meu trabalho se parecesse mais com Hollywood do que com os vídeos caseiros do tio Ted. Sempre há espaço para melhoria. Há pessoas filmando melhor que eu hoje em dia, e provavelmente sempre haverá. Eu poderia utilizar mais locações, poderia usar uma iluminação melhor. E eu poderia gastar um pouco mais de tempo, de modo que minhas sessões não fossem tão corridas. Mas todo mundo tem que trabalhar dentro das restrições orçamentárias.
Suas tramas também são bastante incomuns. Elas não seguem o clichê "vilão-invade-casa", elas envolvem padres, freiras, namorados ciumentos, tráfico de drogas, canais de TV, empregadas domésticas… É parte da excitação, ou tão fundamental como o próprio bondage?
Eu acho que é essencial para esse bondage de "donzelas em perigo"
(damsel-in-distress). Alguns caras se atrapalham filmando cenas
muito mal feitas de bondage num filme de Hollywood. Mas o que
torna essas cenas eróticas, apesar das cordas frouxas e tudo,
é a situação que a envolve, regiamente retratada por uma produção
séria. Eu tento capturar um pouco disso, ao invés de apenas
amarrar uma garota no chão da sala de estar.
No filme Pride, você usou imagens e elementos religiosos. Culpa católica? (risos)
Fui criado em um ambiente religioso e mandado para escolas religiosas, mas nada especificamente católico. Os católicos simplesmente têm as melhores roupas. Ser não-religioso na minha vida adulta me deixou um tanto rebelde quanto a religiões, mas me certifiquei que a história de Pride girasse em torno de personagens pirados - nenhum padre ou freira em sã consciência agiria como no filme.
Levou um tempo até que você encontrasse Natasha Flade, e o relacionamento de vocês calhou de ser a mais lucrativa, proficiente e bem-sucedida associação entre fotógrafo e modelo já estabelecida.
Nós dois temos sorte. Principalmente eu. Encontrei amor, sacanagem, e negócios, tudo na mesma pessoa! (risos)
O site "Natasha Flade" ficou bastante explícito de uns tempos pra cá. Raramente se vê bondage algo assim na Web, eu até diria que não há nada do tipo, já que o sexo só aparece em sites hardcore. Por que vocês decidiram tomar esse rumo?
Foi uma experiência para ver o quanto seria popular. Quer dizer, nós transamos com a câmera desligada, por que não ligar a câmera e ver se isso dá lucro? Devemos dizer que foi uma mudança de sucesso. E divertida. (risos)
Vocês têm muitos sócios e clientes ao redor do mundo ou a maioria do seu público está nos EUA?
Números exatos são um segredinho nosso, mas divertimos muita gente ao redor do mundo. Cerca de 60% é dos EUA, com a Alemanha ocupando um forte segundo posto. Mas temos clientes de nações tão diferentes como África do Sul, Arábia Saudita, Chile e Tailândia. (nota: e nenhum do Brasil...)
Aqui no Brasil, bondage é uma coisa quase desconhecida, e geralmente confundida com fetiches SM extremos. Aí nos EUA, as coisas parecem ser um pouco diferentes. O bondage é parte das fantasias dos americanos? E por quê ainda é um tabu em países como o Brasil?
Nos EUA, nossa consciência sexual foi escancarada por Larry Flynt (criador da revista Hustler, cuja vida virou um filme dirigido por Milos Forman), o campeão da Primeira Emenda da Constituição e responsável pela aceitação das fotos de sexo explícito. Veja só, publicamente, mesmo hoje muitos falam contra a indústria pornográfica, mas a julgar pelos bilhões de dólares que ela gera, isso é uma prova que a maioria das pessoas gosta dela. A aceitação em ver fotos regulares de sexo nos anos 70 veio por fim ajudar a indústria do fetiche nas décadas seguintes. Realmente, não sei o que dizer sobre o clima sexual do Brasil já que nunca estive aí. Visitei alguns países vizinhos, como Venezuela e Argentina, mas ainda assim uma visita não me dá dados suficientes para fazer qualquer comentário.
Agora você cuida de três sites, e até onde eu sei, é você quem se encarrega de tudo: filmar, fotografar, dirigir, pagar, e editar os sites. Você nunca se cansa? (risos)
Eu e Natasha estamos encarregados de três websites (há ainda
Bondage Athanaeum, que comercializa o rebotalho dos outros dois),
junto com nossa linha de DVDs. E para falar a verdade, é uma
semana de trabalho normal. Não ficamos mais cansados do que
qualquer outra pessoa fica. (nota: só que o trabalho deles é
bem mais "foda"...)
[Os filmes citados só estão disponíveis para membros filiados
aos sites (em versão streaming) ou por compra internacional
(em VHS ou DVD). Não há distribuidora brasileira que disponibilize
os títulos para o mercado nacional.]
Leia também:
Franco Saudelli, por Leonardo Vinhas
Links:
Centaur Celluloid
Natasha Flade
Bondage Athenaeum
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