"A Intérprete"
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
02/05/2005

O diretor Sidney Pollack conseguiu operar pequenos milagres em A Intérprete. O diretor que, um dia, fez Dustin Hoffman se travestir de mulher (no genial Tootsie), agora conseguiu que Sean Penn chorasse, Nicole Kidman falasse khu e a ONU liberasse, pela primeira vez na história, seu prédio para filmagens. E os três fatos, interligados, são os destaques deste thriller político que versa sobre terrorismo, ditadura e crimes contra a humanidade.

Nicole Kidman, tão bela e frágil quanto em Dogville, é Silvia Broome, uma intérprete que trabalha no prédio da ONU. Em um daqueles acasos que geralmente só acontecem em filmes de Hollywood, Silvia retorna ao prédio após o expediente para pegar algumas coisas suas que deixou lá, e acaba ouvindo uma conversa em um dialeto raro, que, claro, ela conhece bem. As duas pessoas que conversavam em khu (o tal dialeto) tramavam o assassinato de um poderoso ditador de Matobo (um fictício Estado africano).

Bingo: já temos história para um filme. Mocinha ouve o que não devia ouvir e bandidos começam a caçada. Porém, A Intérprete não é só isso. A cada minuto, Pollack insere uma surpresa na trama, que soa extremamente bem amarrada, mas acaba pecando por exagero em alguns momentos. Desta forma, uma das coisas que o espectador descobre, e que não estraga a história sendo contada aqui, é que Silvia é africana (lembre-se de Charlize Theron), tem bases políticas e não é só um rostinho bonito que fala seis línguas.

É aqui que entra o durão Sean Penn, na pele do agente federal Tobin Keller. Keller precisa investigar a vida da intérprete, e garantir a proteção do líder de Matobo, por mais que, para o bem de todos, sua morte fosse algo útil e necessário. Keller vem de dias sofridos, encarnando o esteriótipo perfeito de agentes federais em filmes de Hollywood: ele precisa mostrar auto-controle e força na vida profissional enquanto sua vida particular desmorona como um castelo de cartas (o que seria do cinema norte-americano sem os clichês?).

Sean Penn e Nicole Kidman valem o ingresso. Os dois atores, que cresceram muito em atuações nos últimos três anos, dão vida e profundidade aos seus personagens. Juntos, na tela, conseguem fazer o espectador prender a respiração e torcer por ambos. Além dos dois atores, o terceiro ponto interessante de A Intérprete é o prédio da ONU, que, na verdade, é um tremendo golpe de marketing, e que funciona.

Com todo dinheiro que Hollywood vive queimando aqui e ali, seria fácil construir uma réplica do prédio da ONU em um estúdio e rodar a fita. Sidney Pollack, que gastou US$ 80 milhões na produção, bateu o pé e conseguiu a autorização inédita, e vamos combinar que, para nós que estamos do lado de cá da tela, isso faz as imagens serem mais realistas, mas não muda tanto assim a forma com que o filme é apresentado, mesmo porque cinema, de muitas formas, não trata de realidade.

Dito isto, A Intérprete surge com um bom passatempo cinematográfico. O filme pode até tropeçar no excesso de informações que despeja no saco de pipocas do espectador, mas no fundo caminha como um thriller bem construído, bem filmado e com excelentes atuações de dois grandes atores de Hollywood. Porém, por mais que queiram mistificar sua origem, A Intérprete é cinema pipoca para satisfazer o público e encher os bolsos da Universal Pictures, como qualquer outro blockbuster norte-americano. Sem disfarces.

No mais, é possível visitar o prédio da ONU como turista. Guias contam todas as peculiaridades do local todos os dias. Agora, entre outras coisas, já vão poder dizer: Nicole Kidman dormiu naquele canto enquanto preparavam a filmagem...


Site Oficial de "A Intérprete"