'Herencia'
por Paula Dume
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28/07/2006

Geralmente não se dá valor às pequenas lembranças guardadas na memória. Vestígios de fatos aparentemente marcantes então, sejam eles físicos ou emocionais, tem sempre seu devido trato adiado ou menosprezado. Herencia (Idem, Argentina, 2001), primeiro longa-metragem de Paula Hernández, evidencia a divisão entre o que deve ser pontuado e o que foge ao controle individual por medo ou receio de alterar a realidade ou comodidade na qual se vive.

Do cinema moderno argentino, o filme herdou os despojamentos narrativo e cênico. A trama é singela, sem muitas complicações, e desafia o espectador a enfrentar seus próprios questionamentos. O enredo não é complexo, porém carece de conectivos que liguem seu tímido conteúdo.

Em Buenos Aires, Olinda (Rita Cortese) comanda um modesto restaurante que, de tão caseiro, lembra uma cantina. E não é para menos, pois a dona do estabelecimento é de origem italiana, desembarcara na Argentina depois da 2ª Guerra Mundial, após sofrer uma desilusão amorosa. Acaba se estabelecendo na capital do tango servindo e vendendo comida.

Certo dia, conhece o mochileiro Peter (Adrián Witzke), um rapaz alemão, de 24 anos, em uma situação inusitada. Ele vai a Buenos Aires em busca de um grande amor que não vê há algum tempo. Do encontro com Olinda, um laço de amizade começa a ser erguido. E assim, os dois europeus começam a relembrar, de forma nostálgica, seus sonhos, expectativas e a vontade de abandonar a terra natal – de Peter – e o retorno às raízes – de Olinda. A trama mostra como a dupla consegue reinventar seus próprios destinos em busca da felicidade.

Sob este aspecto, Herencia mistura desilusões e generosas doses de nostalgia com acenos de otimismo e momentos poéticos, características presentes nas modernas produções argentinas. A história é previsível e segue de acordo com as expectativas que o público deposita nela. Cada vida é particular e se afeita conforme as necessidades emotivas dos seus personagens. A Buenos Aires periférica apresentada reflete um pouco desse entorno mais subjetivo do que objetivo do mundo. A cidade pode parecer auspiciosa porém é um reduto acolhedor de estrangeiros que se hospedam nela em busca ou de uma nova forma de vida ou de um grande amor.

Paula obteve um filme delicado. Apesar do país ter sofrido várias crises políticas e econômicas, o mundo é filtrado com sutileza por meio do restaurante de Olinda que se torna um ponto de encontro físico e, também, de desencontros emotivos. A geração que o representa é aquela que relembra um passado mágico, mas teve sua atitude deflagrada pelas ocasiões do destino. O vídeo retrata a preocupação de uma sociedade que, ao chegar na terceira idade, se vê angustiada e abandonada pelas causas que deixou de privilegiar ao longo dos anos.

Herencia estabelece um certo tipo de melancolia que prende a história do começo ao fim. A situação do imigrante longe de sua nação sempre deixa um resquício de nostalgia, de algo indigesto que pode ser maquiado ao longo dos anos, mas nunca superado. Olinda sente a necessidade de retornar para seu universo particular de lembranças, fora daquele que hospedou em um país que a acolheu quando da guerra. Peter compõe o processo de forma inversa: no exterior reside aquilo que busca, e acredita poder sustentar as memórias apenas como lembranças tardias. O filme é aquilo que é, sem maiores adornos, assim como as recordações, que para alguns, bastam-se por si próprias. Herança de vida.

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