"Guerra dos Mundos"
por Ronaldo Gazolla
Fotos - Divulgação

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13/07/2005

A nova versão de Guerra dos Mundos dirigida por Steven Spielberg, parece conter dois filmes. Há um esforço em tornar a produção atual, alterando e acrescentando fatos para deixar a história contemporânea. Paralelamente a isso existem também alguns elementos que fazem referência - até nostálgica - às outras épocas em que a mesma história foi originada e/ou adaptada. Essas duas correntes podem até funcionar separadamente, mas por vezes não conseguem se misturar de forma eficaz e, passando uma impressão de que vários elementos foram simplesmente remendados uns aos outros, sem o cuidado de fazer com que todos combinassem entrem si.

A versão de Spielberg conta essencialmente a mesma história escrita por H.G. Wells ainda no século XIX, adaptada no final da década de 30 na famosa transmissão radiofônica de Orson Welles que levou pânico aos americanos, que pensaram que os fatos narrados estavam acontecendo na realidade, e que depois chegou ao cinema pela primeira vez em 1953. A diferença é que aqui, a invasão alienígena que ameaça dizimar a população terrestre serve de motivação para que um pai assuma sua responsabilidade à frente da família.

Talvez houvesse uma história mais apropriada para servir de pano de fundo para a reafirmação da importância da unidade familiar do que uma invasão extraterrestre. Mas o fato é que isso funciona bem, pelo menos na primeira metade do filme. Além disso, não há nada de errado em tentar passar esse tipo de mensagem edificante, reforçando valores tradicionais, desde que dois requisitos básicos sejam respeitados: uma direção eficiente e um contexto adequado. O próprio Spielberg se encarrega de demonstrar isso em dois tempos: na primeira metade do filme, quando a trama é muito bem conduzida, e na segunda, quando as coisas começam a se complicar.

O início do filme de uma maneira geral é esplêndido. Toda a construção do suspense antecedendo a invasão, a tensão envolvendo a ofensiva, alguns efeitos especiais nos ataques, tudo isso é feito com muita competência. Apesar de não fugir de todos os clichês – Tom Cruise, antes do início da ameaça alienígena, dirigindo pelas ruas como louco para se encontrar com os filhos, ressaltando sua irresponsabilidade – é possível se identificar com os personagens pelos quais vamos torcer depois. E os atores têm boas atuações, dentro do que é possível fazer em meio ao crescente caos em que a trama vai penetrando.

À medida que mais explicações ou, antes disso, mais reflexões ou mais detalhes são apresentados sobre os alienígenas, a trama vai se enfraquecendo progressivamente. Os seres extraterrestres vinham planejando a invasão há milhares de anos. Eles usam uma espécie de robôs gigantes para simplesmente pulverizar (em cenas com efeitos especiais fantásticos) os humanos. Essas máquinas estavam enterradas no solo terrestre há muitos e muitos anos, antes de haver vida humana, o que explica como ninguém antes havia notado a existência de alguma delas. Posteriormente o próprio sangue humano é usado como uma espécie de fertilizante para uma planta extraterrestre com alguma função importante para esses seres.

Primeiro, a própria idéia da existência de máquinas alienígenas enterradas no solo já parece absurda. Mas alguém deve ter pensado que ficaria muito bacana mostrar alguns robôs gigantes exterminando pessoas. E se os ETs precisam de nosso sangue, por qual razão eles pulverizam várias pessoas? Além disso, se enterraram as máquinas numa época tão distante, como previram o surgimento das pessoas necessárias para seu plano de invasão?

O grande talento de Spielberg como cineasta é responsável por esconder algumas dessas falhas durante um bom tempo, mas não o suficiente. Até mesmo a brilhante solução final do conflito entre humanos e alienígenas é prejudicada por esta informação de que a invasão havia sido planejada há muito tempo. Pois se foi assim, foi muito mal planejada, negligenciando detalhes básicos do nosso planeta que uma inteligência tão avançada não poderia ter deixado de lado.

E mesmo o próprio Spielberg comete um erro grave na cena em que o personagem de Tom Cruise resolve tomar uma atitude mais drástica para garantir a segurança de seu esconderijo. Uma porta se fecha atrás de Cruise e não vemos o que realmente acontece lá dentro. Se Spielberg julgou importante que o personagem tomasse a tal atitude, seria importante mostrar o fato, revelando todo o impacto de uma ação que o personagem não gostaria de realizar, mas é obrigado a isso. Mas o cineasta, de forma imperdoável, nos tranca do lado de fora e a câmera se fixa no rosto coberto da filha do personagem. Dessa forma, Spielberg nos coloca na mesma posição da menina. Somos também criancinhas muito inocentes pra ver o que acontece lá dentro, e devemos ficar quietos aqui fora e esperar que o assunto de adulto se resolva.

O aspecto retrô das máquinas gigantes também não parece muito eficiente e, em conseqüência, estas ficam menos assustadoras. Esse mesmo artifício poderia funcionar no livro ou na transmissão de rádio, onde o componente da imaginação do leitor ou ouvinte é sempre importante, mas vendo a coisa é bem diferente. Os próprios ETs, quando finalmente revelados, também têm um aspectos um tanto ridículo, como se fossem primos maus dos gremlims.

No plano das entrelinhas, o filme também deixa claro duas coisas. A primeira é com relação ao seu texto político. Todos os que viram alguma crítica em relação à postura americana frente ao Iraque devem estar delirando. A única possível menção a isso é uma frase dita por Tim Robbins que afirma que "toda ocupação está condenada ao fracasso". Em todo o resto do filme não há mais nada. Isso, em si, não é defeito. Apenas não é necessário ficar procurando críticas à guerra em todo filme, mesmo onde elas não existem. Antes disso, se é que o filme toma uma postura relacionada ao assunto, é a da visão dos americanos atacados em seu próprio solo, como no 11 de setembro. A América é a vítima dos malfeitores, não a agressora que merece críticas.

A segunda é que agora vai ficar difícil, para alguns, de manter aquele discurso louvando Spielberg por celebrar a união com o outro, o diferente, o estrangeiro, naquele filme incrivelmente bobo chamado ET – O Extraterrestre, que mostrava uma civilização alienígena amigável, na contramão dos vilões extraterrestres de sempre. Agora fica claro que se esta mensagem foi passada por aquele filme, não era exatamente a intenção primeira de seu diretor.


Site Oficial do filme Guerra dos Mundos