'É Tudo verdade - 2006 - A Era do Medo'
por Marilia Almeida
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Fotos: 01: Alguém Tem Um Plano? / 02: Zarqawi – A Questão Terrorista
18/04/2006

Aimar Labaki, diretor-fundador do festival anual de documentários "É Tudo Verdade", trouxe à sua edição de 2006, pela primeira vez, um especial com apenas uma temática. Em sua 11º edição, realizada em São Paulo de 23 de março a 2 de abril, o especial "O Estado das Coisas", caracterizado comumente pela variedade de estilos, desta vez foi nomeado "A Era do Medo". A mostra visou retratar as várias faces do terrorismo, guerras e genocídios mundiais presentes nos conflitos geopolíticos a partir da Guerra Fria.

Delimitadas pela temática, as produções não se restringiram apenas em explorar o terrorismo que amedrontou os Estados Unidos no 11 de setembro ou nos conflitos conseguintes, vide guerra do Afeganistão e Iraque. Deixando de lado a visão reducionista do todo, os documentários foram além ao mostrarem conflitos que acontecem debaixo do nosso nariz, mas para o qual nós e os grandes noticiários não damos devida atenção.

Ruanda, Kosovo, Srebrenica, Timor Leste, Chechênia e Haiti são exemplos de guerras ofuscadas pela ofensiva norte-americana e sua guerra do terror, mas que perduram, seja em um continente arrasado ou na memória de sobreviventes que clamam por uma justiça que nunca chega. Foram exemplos deste grupo Srebenica Nunca Mais?, Mate-os Todos – História de um Genocídio “Sem Importância” e Aristide e a Revolução Sem Fim. Já o cotidiano pós-guerra no Iraque, o eterno conflito entre Israel e Palestina e as dúvidas e teses sobre a guerra do terror estadunidense puderam ser conferidos nos contundentes À Sombra das Palmeiras, Vingue Tudo Mas Deixe Um de Meus Olhos e O Poder dos Pesadelos.

Representante do primeiro grupo, a antiga Iugoslávia e sua fragmentação sistemática, que provocou crimes contra a humanidade, ainda surtem efeito em seus habitantes, retratados em Alguém Tem Um Plano? (Does Anyone have a Plan?). Produção conjunta de diversos países Bálcãs finalizada neste ano e dirigida por Lode Desmet, Alguém Tem Um Plano? retrata a Kosovo atual, após seu enquadramento como província da Sérvia. Repleta de refugiados, a cidade ainda tem uma estrutura precária de serviços básicos, como eletricidade. O documentário coloca 17 cidadãos comuns de Kosovo, Sérvia e países vizinhos frente a frente com autoridades políticas dos diversos países da região, seja por meio de uma tela de cinema, uma televisão pública em Belgrado, capital da Sérvia; ou jogos de câmera que focam o ouvinte enquanto a fala do inquirido é ouvida no áudio. Eles perguntam qual será o futuro de Kosovo em diversos aspectos. A discussão é labiríntica e heterogênea, não podendo se dividir apenas em quem quer a independência e os contrários, mas permeada por conflitos duradouros, como o rancor por atrocidades e a polêmica ‘ajuda’ internacional. Com bela fotografia, a dinâmica de Alguém Tem Um Plano? é enriquecida por estas múltiplas visões.

Já em Zarqawi – A Questão Terrorista, documentário francês produzido em 2005 por Patrice Barrat, Najat Rizk e Ranwa Stephan, é contado o histórico do terrorista islâmico que dá o título à obra. Abu Musab Al Zarqawi foi condenado à morte pela Jordânia em fevereiro, acusado de supervisionar atentados com homens-bombas contra alvos estadunidenses e do governo jordano. O documentário tem como base um anterior, feito pelo jornalista jordano Fuad Hussein, que conheceu Zarqawi na prisão, nos primeiros anos da década de 90. Tido como principal operador militar do Al Qaeda, chegou a ser considerado pelos EUA o mais procurado terrorista após o 11 de setembro juntamente com Bin Laden, principalmente por seus atentados no Iraque. Com depoimentos de analistas, Fuad Hussein e até mesmo colegas, vídeos de Zarqawi no casamento de sua irmã e de um jovem homem-bomba recrutado pela Jihad Islâmica, sorrindo diante da morte no dia seguinte, Zarqawi – A Questão Terrorista é marcante. Uma discussão interessante é a revelação de mecanismos de difusão da ideologia da Jihad pela Internet, que inclui vídeos de decapitações. A imagem de um terrorista condenado pelo assassinato de um diplomata americano em 2002 e sua infância pobre se entrecruzam, enternecem e revoltam na tentativa de compreensão do terrorismo.

Considerado o principal evento dedicado à cultura do documentário na América do Sul, o "É Tudo Verdade" exibiu 111 filmes, entre longas, curtas e médias, e teve número recorde de inscritos: 956. O festival também teve uma edição carioca e uma seleção de seus destaques será exibida em Brasília e Campinas. Em 2007, Labaki pretende voltar com a pluralidade temática do festival e considera que o documentário atualmente é visto como subgênero. Dupla pena. A temática, infelizmente, aparenta ser uma tendência mundial, fonte inesgotável de material e não deveria sair do foco das câmeras tão cedo. Já o documentário, por sua vez, poderia adentrar um pouco mais as salas de cinema para exibir estas questões, que não podem ser vistas com profundidade pela TV, a um público bem maior. Seria uma dupla divulgação, emergencial na era moderna: a do medo.

Links:
Site Oficial do festival É Tudo Verdade