"Os Esquecidos"
por
Ronaldo Gazolla
Fotos - Divulgação
ronaldo@areaweb.com.br
20/12/2004
Existem
exceções, claro, mas este Os Esquecidos é um claro exemplo
da mentalidade dominante em Hollywood, aquela que pode até partir
de uma grande premissa, adulta e instigante, mas a transforma
em um filme infantil, formatado para o grande público que, ainda
na visão dos executivos, não gosta muito de pensar e não vai
ao cinema buscando um filme que lhe desperte reflexões, embora
ocasionalmente goste de produções que contenham uma trama com
várias viradas pretensamente inteligentes e surpreendentes.
E o que mais incomoda é que, cada vez mais, essa regra vem se
consolidando enquanto as exceções vão rareando mais e mais.
Em matéria de viradas na trama, Os Esquecidos é um filme
difícil de ser superado. Infelizmente quantidade está longe
de ser sinônimo de qualidade e cada uma dessas viradas leva
a trama do filme a um nível mais absurdo que o anterior. A explicação
final para tudo o que está acontecendo é risível, mas também
é uma das pouquíssimas possíveis, em vista da quantidade de
bobagens que a precedem.
De fato, é difícil fazer um resumo básico da trama sem entregar
algumas dessas viradas. Tanto que o próprio trailer do filme
já entregava todas elas, com exceção talvez da última (embora
já indicasse a direção). Portanto, se você não viu o trailer
e ainda pretende assistir o filme, talvez seja melhor deixar
para ler o restante desse texto somente depois de tê-lo feito.
Dessa forma, uma boa sinopse da história pode ser feita através
da descrição do trailer da produção. Este começa apresentando
a personagem de Julianne Moore, que sofre pela perda de seu
filho, morto em um desastre de avião. A primeira virada vem
depois de Julianne notar que antigas fotos do filho desapareceram
e descobrir através de seu psiquiatra que na verdade o garoto
existiu apenas na própria imaginação. Ficamos então em dúvida
sobre a sanidade mental da protagonista. Logo depois vem a segunda
virada, quando o sujeito que ela conhecia como seu marido sequer
a reconhece mais, o que indica que a personagem de fato enlouqueceu
e criou uma realidade paralela para si mesma.
Mas é aí que entra na história outro homem que Julianne se recordava
como um pai que também havia perdido a filha no mesmo desastre,
mas agora não se lembra da criança. Ela arranca um papel de
parede da casa do tal sujeito, revelando uma decoração infantil.
Ele então passa a acreditar na história dela e esta é a terceira
virada, pois agora parece que algum plano sinistro está em andamento.
Como se já não bastasse, o trailer ainda termina mostrando uma
cena em que um personagem é subitamente puxado por uma força
invisível e literalmente sai voando junto com o pouco da credibilidade
que a trama ainda tinha. É a quarta virada do trailer (um número
maior de viradas que o do próprio filme), que sugere que os
personagens vivem dentro de uma espécie de Matrix... Acredite,
a explicação dada no filme consegue ser ainda mais ridícula.
A rigor, o filme só mantém algum (pouquíssimo) interesse em
sua história enquanto ainda não temos certeza se a personagem
de Julianne Moore enlouqueceu ou não. A seqüência de eventos
que vão se sucedendo apenas prejudicam a produção. Um filme
que seguisse a linha inicial até o fim, realizando um cuidadoso
estudo de uma personagem lidando com sua aparente loucura poderia
até ser bem sucedido, mas este não é o tipo de filme no qual
os grandes estúdios de Hollywood estão interessados. Pode ser
inteligente, sensível e espinhoso demais para o nível de suas
produções atuais.
Que Julianne Moore não afunde completamente junto com o filme,
pode ser considerado um pequeno milagre. É uma prova de que
ela é uma grande atriz e que passa por uma fase na carreira
em que até os piores filmes são incapazes de esconder seu talento.
Mas por melhor que uma atriz seja, esta pode até sobreviver
a algumas produções desastrosas, mas nem sempre apenas o seu
talento é o suficiente para salvar um projeto tão equivocado
quanto este.
Pois se não bastasse os rumos que a história toma não serem
os ideais, o roteiro é cheio de furos em seus detalhes. Se os
vilões são capazes de alterarem até mesmo jornais passados para
esconder notícias, por que se contentaram em cobrir uma pintura
com um papel de parede vagabundo? Como Julianne Moore consegue
fugir repetidas vezes de agentes federais fortes e (supostamente)
eficientes em seus trabalhos? Como Julianne consegue se lembrar
de detalhes que não lembrava antes, chegando a ‘reconhecer’
um dos vilões através de lembranças que ela já possuía quando
o viu pela primeira vez? Que ‘mecanismo’ poderia ser capaz de
possibilitar um desfecho como o mostrado? E por que motivo o
vilão tem que dar um chilique ridículo com aquele gritinho horroroso
no final???
Para não falar da falta de explicações que aflige o filme. Há
certos casos em que explicações demais são desnecessárias e
um final aberto pode até se encaixar bem na proposta do filme.
Mas se durante toda a projeção é criado um clima de suspense
em relação aos acontecimentos da trama, seria justo esperar
que estes fossem esclarecidos ao final. Mas o motivo por trás
das atitudes dos vilões, por exemplo, nunca ficam claro. A resposta
que o filme parece oferecer é a de que eles eram apenas sádicos
com muito tempo livre e pouca coisa a fazer que resolveram brincar
com as vidas alheias.
Mas exigir de Os Esquecidos uma conclusão que faça sentido,
sendo que quase nada no filme faz, talvez seja exagero. O melhor
mesmo é esquecer.
Site
Oficial do filme Os Esquecidos
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