"Elektra"
por Marcelo Miranda
Fotos - Divulgação

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31/01/2005

Se Frank Miller não estivesse vivo, certamente ia se remexer no túmulo. Uma das maiores criações na sua brilhante carreira de quadrinhos, cujo ápice se deu nos anos 60 e 70, ganhou um filme totalmente aquém do que ela realmente é. Aliás, mal dá para entender como Elektra passou pelo crivo de Miller – isso, se passou. A produção dirigida por Rob Bowman e escrita por Raven Metzner, Zak Penn e Stu Zicherman praticamente ignora as principais características da personagem original para criar uma história que sequer a trata como o centro da narrativa.

Não vamos nos ater demais aos quadrinhos, principalmente porque uma adaptação não deve ser feita apenas para fãs e leitores, mas ao público geral e leigo também. Então deixemos de lado a personalidade sangüinária e impiedosa de Elektra, o carisma e a forma como se relacionava com o Demolidor, suas atitudes inesperadas e ousadas – tudo isso ausente do filme. Fiquemos no que está impresso na tela. Nem assim há muito o que salvar.

Talvez o maior problema de Elektra seja que, apesar do título, não é um filme da protagonista. Sim, é ela quem comanda a ação, participa de praticamente todas as cenas, luta, apanha e tudo mais. Mas a trama do filme, na essência, nada tem a ver com ela. A verdadeira chave do roteiro é uma garotinha com poderes misteriosos que torna-se um alvo da ninja assassina, para depois virar sua protegida. Elektra é diminuída a guarda-costas da menina, correndo por todos os lados e disposta a protegê-la dos vilões mais estranhos (entre eles, outras criações quadrinhísticas, como Kirigi e Mary Tiphoid). Nesse meio tempo, vai tendo flashes do passado, desde a infância traumatizada pelo assassinato da mãe até a sua própria morte (mostrada no filme Demolidor – O Homem sem Medo).

O resultado dessa desconsideração com a mercenária é que Elektra mais parece um episódio de série de televisão do que um longa-metragem dedicado à personagem. Algo como: “no episódio de hoje, Elektra deve proteger garota superpoderosa perseguida pela perigosa organização Tentáculo”. Os desenlaces do roteiro são da mais pura obviedade: desde o princípio, é certeiro que a pequena Abby vai servir de catalisadora para a redenção de Elektra, a maneira como ela se enxerga antes de se profissionalizar assassina e a forma à qual deseja regredir, sem maiores culpas. Até mesmo ensaia-se uma relação mais íntima entre a dupla feminina, beirando o paternalismo. Fica só na intenção.

Se o roteiro pudesse ser deixado de lado em nome de vôos mais altos da direção (algo até comum em produções do tipo), o filme ainda valeria a pena. Mas Rob Bowman (de Arquivo X – O Filme e Reino de Fogo) não sai do tradicional e fica no já conhecido estilo dos cortes rápidos das cenas de ação. Não bastasse isso, dá menos espaço para a maravilhosa Jennifer Garner mostrar seus dotes físicos e atléticos do que deveria. Basta saber que ela faz muito mais e melhor em poucos momentos de Demolidor do que nos 90 minutos de Elektra. O filme parece hesitar em mostrá-la realmente em ação, aparenta guardar o melhor para o fim. A própria Garner está contida no papel, distante de sua entrega sincera e autêntica na primeira vez em que encarnou a personagem. As cenas são filmadas sem gosto, sem tesão, de maneira a economizar talentos. Outro indício televisivo no filme: a superficialidade não apenas do que se conta, mas do que se mostra.

O que sobra, então, de Elektra? Do filme mesmo, nada. Fica a vontade daqueles que conhecem intimamente a personagem de a apresentarem aos leigos e não-leitores. Mostrar o quanto Elektra Natchios é rica e muito mais interessante do que Bowman e trupe tentam exibir. Provar de uma vez por todas que, numa adaptação, pouco caso com o material original só faz gerar frutos podres.


Site Oficial do filme