"A Dona da História"
por Marcelo Miranda
Fotos - Divulgação

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02/12/2004

Se Olga se parece com um grande novelão das oito, A Dona da História por várias vezes faz lembrar uma novela das sete, devido à temática mais "leve" e linguagem mais "pop". Será uma tendência do atual cinema brasileiro? Ou apenas tendência particular da Globo Filmes? Questão a ser melhor estudada, mas não aqui. Por enquanto, nos interessa mais falar de A Dona da História, filme dirigido por Daniel Filho e cheio de astros globais no elenco. Gira em torno de Carolina (Marieta Severo), senhora casada há 32 anos e em crise com o marido, Luís Cláudio (Antônio Fagundes). Paralelamente, acompanhamos o início do romance da dupla, em plena efervescência da ditadura militar.

O filme funciona bem nesses primeiros minutos. Os desentendimentos dos protagonistas tem plausibilidade e contam com pitadas de humor criativo, dando um ar caricatural a discussões realmente bobas, mas nunca gratuitas e representando o estado de ânimos daquelas duas pessoas em meio a um questionamento sobre a relação. Se pode parecer banal falar quem gosta mais de comer pescoço de galinha, isso apenas serve de deboche para uma problemática maior, que é a eterna luta entre homem e mulher numa vida conjugal. E o carisma e talento dos dois atores veteranos ajuda a criar empatia e identificação imediatas.

Mas como fez em A Partilha, seu longa anterior, Daniel Filho não se satisfaz em ter uma premissa excelente a ser trabalhada. Ele precisa tentar dar a sua "cara" ao filme, deixar claro a cada espectador que aquilo na tela não é uma comédia amargurada, mas algo fantasioso, fabular. Isso pode ser um grande trunfo na mão de um diretor de cinema talentoso, coisa que Daniel Filho não é. Quando o roteiro impõe (sim, esta é a palavra adequada: impor) o encontro das mesma personagem em épocas diferentes - a versão jovem é vivida por Débora Falabella -, o filme não sabe sair dessa situação surreal e apela para o mais óbvio dos manuais de roteiros: mostra ao espectador o que aconteceria se Carolina não se casasse com Luís Cláudio.

Ou melhor, mostra a visão de Daniel Filho (também o roteirista) para a falta de marido. Se for como ele pensa, as mulheres estão perdidas: em certo momento, Carolina é uma coroca sem esperanças trabalhando numa videolocadora e vivendo num cubículo; em outro instante, ela é uma detestável socialite anfitriã de festas e casada com o cara mais "chato" da turma; ou então, ela é uma atriz de teatro que abriu mão da sua vida para seguir a carreira - e foi infeliz por isso. É, parece que recusar Rodrigo Santoro (vivendo Luís Cláudio na juventude) não foi bom negócio...

É essa a noção de A Dona da História: a de que as mulheres só podem ser felizes ao lado dos homens, que apenas eles as completam, que nada além da companhia e amor deles pode ser tão imprescindível. O tom de conto de fadas do filme até parece falsear essa conclusão, mas as situações "paralelas" criadas na trama não permitem esconder as intenções da fita. Numa época de liberdades e luta por direitos, num tempo sem ingenuidades ou grandes crenças, soa datado um filme que traz consigo idéias do gênero. Claro, grandes diretores saberiam trabalhar tudo isso com mais consistência, questionamentos e complexidades, mesmo que tentassem apenas falar de uma feliz história de amor. Mas não Daniel Filho. A ele, interessa mais manter o espectador em clima de novelas, numa fantasia que não está dentro da tela, mas fora dela, na cabeça de quem vê. A fábula é apenas desculpa para se tecer as velhas e ultrapassadas visões do amor a dois.

Uma pena, sem dúvida alguma. O potencial de A Dona da História era gigantesco, ainda mais com pessoas como Severo e Fagundes encabeçando os atores. Infelizmente, o diretor preferiu dar mais espaço à sapeca Débora Falabella e seu tesão louco por Santoro, aliados a uma cenografia "pop", numa tentativa de captar a atenção de platéias mais jovens e mocinhas incautas. Só que Daniel Filho parece não saber mais que linguagem ou caminhos temáticos deve seguir para ser bem sucedido - prova de que ele um dia soube dialogar com esse público foi quando era o principal responsável pela série Armação Ilimitada. Bons tempos.


Site Oficial do filme A Dona da História