Dolls
por Drex
cartasdemaracangalha.blogspot.com
04/07/2003

Um minuto para divagações, por favor. "Dolls" é um filme japonês, mas ao sair da sessão, o que me veio à mente foi a velha e batida disputa entre o "cinema americano"  e o "cinema europeu". Talvez essa rotulagem geográfica já não faça mais sentido, mas, com uma pitadinha de maniqueísmo, é capaz de ainda enxergar dois times entrando em campo: de um lado os fanáticos pelo cinemão de entretenimento hollywodiano, os mesmos que também odeiam os ditos soporíferos filmes franceses. Do outro, os admiradores dos filmes-de-arte europeus, que tem ojeriza pelos retardados e comerciais blockbusters americanos.

Radicalizações e generalizações à parte, é impossível negar que, seja livro, disco ou filme, qualquer manifestação cultural carrega um dilema: buscar a empatia fácil e a diversão rápida do público, ou apostar numa expressão artística que nem sempre tem digestão automática. Afinal, o público quer entretenimento ou quer arte? É sinal de estupidez desejar simplesmente divertir-se dentro de uma sessão de cinema? Por outro lado, é pretensioso querer contemplar e exigir beleza artística de um filme?

Tudo isso para dizer que "Dolls", o último filme do diretor japonês Takeshi Kitano, caminha pelos dois lados dessa questão. Entre o estilo do mestre Kurosawa e cinema de ação do chinês John Woo, Kitano prefere não ser obrigado a fazer escolhas definitivas. O resultado, no entanto, fica bastante claro: seu filme oferece momentos ótimos de entretenimento, mas, no final, o buraco é muito mais embaixo: "Dolls" é pura poesia. E, como tal, nem sempre muito fácil de ser consumida.

Kitano, diretor do premiado "Hana-Bi – Fogos de Artifício", é atualmente um dos maiores e mais populares cineastas no Japão. E, assim como em "Dolls", é conhecido por uma carreira que alterna tanto momentos de lirismo e sensibilidade, como também filmes de ação recheados de violência e estórias sobre a máfia.

Em "Dolls", Kitano utiliza o imaginário do dramático teatro de bonecos japoneses para começar a contar três estórias paralelas. Na primeira, um jovem de carreira promissora, abandona seu casamento arranjado para viver como mendigo com seu verdadeiro amor. Na segunda, um velho e solitário chefe da Yakuza tenta consertar o passado e encontrar novamente um antiga namorada. E finalmente, explora o estranho envolvimento entre um fã apaixonado e uma cantora pop um tanto quanto sem sorte.

Os enredos simples se intercalam levemente durante o filme. O que se destaca, entretanto, é a maneira como Kitano transforma suas estórias prosaicas em verdadeiras fábulas de amor eterno e entrega completa.

Se há lampejos de naturalidade e espontaneidade no começo da narrativa, no final, o que predomina é mesmo a poesia e o tom quase épico dos desfechos. E então, as conseqüências podem ser duas: o prazer de contemplar a beleza plástica  (a fotografia é sensacional) e a sensibilidade poética do filme, ou o tédio completo diante da morosidade e da pretensão do enredo.

Confesso que saí da sessão indeciso. Gostei ou não gostei de "Dolls"? Mas, afinal, o que realmente eu estava esperando? E antes que eu comece a divagar novamente, vale a pena você fazer sua aposta e experimentar o filme por si mesmo.