O Homem Que Copiava
por
Angélica Bito
mordendotampas.blogger.com.br
22/06/2003
Jorge Furtado é um diretor
de mil faces. Geminiano nascido em nove de junho de 59, Furtado já
estudou medicina, psicologia, artes plásticas e jornalismo. Antes
de ser cineasta, trabalhou como repórter de TV, quando começou
a fazer roteiros para a TV Globo. O primeiro longa saiu somente em 2001:
"Houve
Uma Vez Dois Verões" que, de cara, ganhou prêmios de Melhor
Direção, Roteiro, Montagem e Filme Pela Crítica no
Cine Ceará de 2002. Antes, o gaúcho havia dedicado sua carreira
a curtas-metragens: sabe "Ilha das Flores", aquele que todos já
devem ter visto no colégio? É dele.
"Houve Uma Vez Dois Verões"
é um filme ótimo com orçamento baixo, câmeras
digitais e atores desconhecidos do grande público. Tudo mudou, no
entanto. Agora, estrelas fazem parte do elenco de seu novo filme, "O
Homem Que Copiava" (BRAS 2002). Este custou cerca de R$ 3 milhões
- "Houve Uma Vez Dois Verões" consumiu R$ 790 mil. Nem tudo mudou,
na verdade. Em seu segundo filme, Jorge Furtado já mostra como é
seu cinema: despretensioso, não importando a quantidade de dinheiro
envolvida no projeto; divertido; leve, sempre com destaque ao roteiro,
cheio de reviravoltas, no estilo dos filmes noir.
"O Homem Que Copiava" traz Lázaro
Ramos - uma das melhores coisas do cinema nacional dos últimos tempos
- como André, um garoto de 20 anos que trabalha em uma papelaria.
Sua rotina é como seu trabalho: um tédio. Liga, desliga,
vira folha, bota filha, abre máquina, liga, desliga. Tudo mecânico.
André acorda e vai trabalhar para ganhar uma mixaria. Chega em casa,
faz seus desenhos e vê a mãe dizendo que televisão
dá um "sooono". Todo dia a mesma coisa, cada um é cópia
do outro. André é jovem, talentoso, mas não vê
um futuro para si mesmo. Não tem perspectivas, ambições
ou qualquer coisa que o empurre para frente. Até que conhece Sílvia
(Leandra Leal). Passa a observá-la de longe, com seu binóculo,
enquanto ela chega em casa tarde depois do cursinho.
André, então, descobre
onde ela trabalha: lojas Sílvia. Coincidência. Lá,
encontra um chambre de chenile (um robe daqueles que as mulheres usam antes
de dormir, sabe?) que pretende dar para a mãe e, de quebra, agradar
a guria. Mas a peça custa R$ 38, grana que André não
tem. É aí que ele começa a ter ambições:
quer dinheiro. Um pouco, no começo. Só para impressionar
a menina. Também quer namorar Sílvia. Ambições
que crescem de forma desenfreada, com conseqüências que fogem
do real. Nessa situações bizarras, acompanham o rapaz Marinês
(Luana Piovani), moça que trabalha com ele na papelaria, e Cardoso
(Pedro Cardoso), um homem que trabalha em uma loja de velharias e que está
a fim de Marinês.
Animações, suspense,
drama, romance, comédia... Está tudo lá, numa salada
de gêneros cinematográficos. O roteiro ajuda a dar liga. A
boa direção, do desempenho dos atores e a trilha sonora são
o tempero.
"O Homem Que Copiava" é uma
comédia desse jeito mesmo: surreal. Situações que
não acontecem no dia-a-dia. Veja bem: você vai ao cinema para
ver a realidade? Não quando você quer ver um filme de ficção,
certo? Então, os filmes de Jorge Furtado são assim mesmo,
surreais, mas com roteiros muito bem amarrados. Muito mesmo.
Mas não é só
de comédia que "O Homem Que Copiava" trata. Tem também drama:
um garoto pobre, mas que tem talento para o desenho, não vê
jeito de ficar rico a não ser de forma nada ortodoxas. Não
vai ser com seu talento que ele vai enriquecer, mas sim na malandragem.
Quantos jovens não se sentem assim no Brasil? Todos aqueles que
não nasceram em família rica, que ainda pensam que poderiam
ter uma vida melhor se tivessem dinheiro, se fossem reconhecidos. André
é como eu ou você, se sentindo preso num cotidiano desgastado,
muitas vezes sem perceber que sua vida é um ciclo vicioso como o
ato de liga, desliga, vira folha, bota filha, abre máquina, liga,
desliga.
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