"Boleiros 2 - Vencedores e Vencidos"
por Marcelo Costa
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19/04/2006

Quando foi anunciado o projeto Boleiros 2 - Vencedores e Vencidos, a torcida brasileira encheu-se de expectativas. O cineasta Ugo Giorgetti, do ótimo Festa e do divertidíssimo Sábado, havia conseguido com seu primeiro longa, Boleiros - Era Uma Vez o Futebol (1998), devolver ao esporte sua aura mágica e poética, adjetivos bastante raros de se encontrar nas quatro linhas em tempos de capitalismo. Sentados na mesa de um velho boteco, ex-jogadores de futebol (os boleiros) relembravam causos da profissão. O resultado alcançou o sublime, tal qual um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa cantado por Jorge Ben. Futebol, infelizmente, não é cinema, e um dos grandes clichês das telonas é que raramente uma seqüência supera o filme original. Boleiros 2 não é uma exceção a regra, trafegando quase sempre sob a sombra do brilho da luz do primeiro filme, levando uma goleada no quesito comparação.

O ponto de partida do novo roteiro é quase o mesmo do filme original: antigos boleiros relembram histórias em um boteco. Porém, algumas coisas mudaram. O velho boteco ganhou uma reforma, que o fez perder o tom saudosista de antes em troca de uma decoração de programa de esportes da MTV. Os velhos jogadores ainda estão lá, na mesa cativa da turma no mezanino do bar, mas a história já não é mais centrada neles. A trama agora gira em torno de Marquinhos, um craque brasileiro que faz sucesso no exterior (tal qual os Ronaldos), manipulado por um empresário espertalhão (Paulo Miklos, em atuação correta), que não hesita em subornar uma ex-namorada do craque (Suzana Alves, em rápida e boa aparição) tanto quanto uma bela advogada (Lavínia Pannunzio, que tem um rostinho de "já te vi em algum lugar") que representa um meio-irmão do jogador, que cumpre pena em uma penitenciaria e vive ameaçando reunir a imprensa para contar a verdadeira história da família. Três milhões de euros aqui, 15% ali, cifras que exibem o intento de Giorgetti: sai o futebol, entra o capitalismo. A inocência de um belo drible ficou no passado, defende o cineasta.

Em um primeiro momento, a opção do roteiro em se prender a uma história resulta no primeiro gol contra do filme. Não que a história seja inverossímil, mas a opção consagrada dos causos em Boleiros 1 se propõe imbatível. Mais: mesmo recuperado em Boleiros 2, os causos surgem menores, inferiores. Eles caminham paralelamente ao filme, e apenas um deles funciona a perfeição, já que o causo Nestor carece de força narrativa e o do argentino Benitez - apesar de interessante - é um bocado óbvio. No entanto, o "conto" do assistente técnico Barbosa é de uma poesia que lembra muito o filme original, comovendo e surpreendendo o espectador. Amante do futebol arte, Barbosa nunca teve uma chance de montar taticamente um time de sonhos, estando sempre à sombra do técnico retranqueiro Edil (Lima Duarte, impagável). A chance surge, finalmente, em uma final de campeonato, e o que acontece neste jogo simboliza exatamente o espírito do filme: nada mais será como era antes, e nem mesmo o sonho se realiza. A melancolia (representada na troca de dribles agéis por chutões e pontapés) tomou o lugar da alegria.

Se como obra, fechada em si mesma, Boleiros 2 surge menor que seu antecessor, um de seus grandes problemas é remeter-se a todo momento ao longa de origem, o que - além de ampliar a comparação - deve causar uma ruptura no encadeamento de idéias do espectador que não assistiu ao primeiro filme. "Por favor, eu trouxe uma foto do meu pai, que foi árbitro da FIFA, para ser colocada no mural de futebol do bar", diz um senhor (o impagável Otávio Augusto, colaborador de longa data de Giorgetti), no que é replicado: "O que? Você quer que eu coloque uma foto do Vírgilio Penalti no mural?". A história do árbitro Vírgilio é uma das mais hilárias de Boleiros 1, versando sobre um juiz corrupto que precisa fazer um time vencer, e não hesita em voltar o mesmo penalti diversas vezes até que o time "pagante" consiga marcar o gol. A saudosa história diverte muito mais como lembrança do que a história atual, refletindo um dos desméritos do filme: derivar em excesso do primeiro longa.

Essa linha "complicada" de roteiro ainda é seguida na história secundária de Caco, um ex-gloeador do Corinthians, "salvo" pelo famigerado Pai Vavá (André Abujamra, sensacional) no primeiro filme, e que agora - aposentado do futebol pelo joelho "baleado" por uma contusão - trabalha na imprensa... como motorista. Ou então do Pivete, um moleque de rua craque de pelota, cuja história é uma das mais líricas de Boleiros 1, e que continua de maneira correta (e melancólica) no novo filme ao retratar o que aconteceu com o menino sete anos depois. No entanto, quem não assistiu ao primeiro filme irá entender apenas "metade da piada", e isso ocorre várias vezes em Boleiros 2, causando uma sensação de que "está faltando algo na história".

Isso tudo quer dizer que Boleiros 2 é um filme ruim, um jogo de terceira divisão que deve ser evitado? De forma alguma. Ugo Giorgetti tem ótimas sacadas. Há uma poesia bela e suja em sua forma de contar histórias rara de se encontrar por aí. O futebol é uma forma de se entender o mundo (procure o livro com este título). O cineasta filma esse fragmento de representatividade através de causos de boleiros, e sua maneira crítica (e deliciosamente politicamente incorreta) de ver o futebol merece atenção, tornando-se um dos pontos altos do filme ao retratar com soberba o reinado capitalista que se apossou das agremiações futebolísticas, que precisaram se transformar em empresas, e tiveram suas camisas desfiguradas por espaços publicitários, se atentando mais a cifrões do que aos times propriamente ditos.

Na visão do cineasta, o futebol viveu uma fase de ouro que pouco tem relação com o que acontece hoje em dia. É um olhar realista, crítico, mas também tristonho o exibido em Boleiros 2, que por fim deixa saudades em quem presenciou os momentos sublimes que este esporte bretão proporcionou ao mundo, especialmente aos brazucas. Não que esse futebol esteja enterrado por montanhas de dólares, já que ele vive dando as caras aqui e ali, em dribles e gols de placa. Mas longe vai a época da inocência. Mesmo assim, ainda é possível torcer, vibrar e se emocionar com um time em um estádio ou num filme como este. E se divertir com as famosas piadas que surgem diariamente, como aquela que diz que uma bola de futebol custa R$ 160; uma camiseta oficial do Corinthians saí por R$ 129; o ingresso - com cambistas - para ver o Timão na Libertadores custa R$ 50. O melhor jogador do futebol brasileiro na atualidade ser argentino, não tem preço.

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