'Bloom'
por
Danilo Corci Speculum
17/03/2006
16 de Junho de 1904. Em Dublin, a correta cidade onde as garotas
são tão belas, como na vernácula canção tradicional irlandesa,
Leopold Bloom acorda, vai ao banheiro, compra o café da manhã
para sua esposa, Molly, comparece ao funeral de um amigo, vagueia
pelas ruas até desembocar num bordel para, no limiar do final
do dia, retornar ao lar. No mesmo dia, o jovem Stephan Dedalus
também se vê envolvido com suas banalidades.
Em um brevíssimo resumo, esta é a história de Ulisses,
de James Joyce (1882 - 1941), o maior clássico da literatura
mundial. O livro, que em sua época chegou a ser censurado nos
EUA, é um catatau quase intransponível de mais de 800 páginas,
que sempre desperta tanto paixões ocultas como desprezo absoluto
no secto literário.
O fato é que a obra é muito simples como paródia da Odisséia,
de Homero, repleto de simbolismos mágicos. A diferença é que
o grego prefere o modelo virtuoso, heróico. O irlandês representa
o homem comum, sem nenhuma carga de heroísmo, envolvido em seus
dramas particulares, absurdamente comuns e pornográficos.
Então porque poucas pessoas se aventuraram em transformar a
história em cinema? A resposta também é simples. As aventuras
de Bloom, Dedalus e Molly são jornadas à consciências das personagens,
algo que na linguagem cinematográfica traria muitos problemas.
Basicamente, imagine-se gravando todo o seu pensamento e tendo,
ao mesmo tempo, uma câmera o filmando o dia todo. Depois, na
edição, junte os dois. Tedioso, não? Porém, Sean Walsh arrisca
trazer o dia joyciano em Bloom (idem, Irlanda, 2003)
e o resultado é extremamente dúbio.
Recebido com indiferença quando lançado lá fora, Bloom
padece das amarras mortais de Joyce. Texto, texto e dá-lhe mais
texto. Bloom (Stephen Rea), Molly (Angeline Ball) e Stephen
Dedalus (Hugh O'Conor) celebram o dia do Homem Comum, o arquétipo
do herói joyciano. Mas Walsh parece indeciso entre ofender os
seguidores do autor ou prestar-lhe um tributo.
Toda a ambientação de Dublin, fotografia e atuações estão corretas.
Até mesmo a direção e roteiro. Mas - palavra maldita - falta
ousadia. O que se vê, no conjunto final, é uma transcrição típica
de encenações documentais do autor, quase um daqueles programas
literários da TV Cultura. Trechos e mais trechos em monólogo,
com pouquíssimas interferências da linguagem cinematográfica.
Talvez, por isso, o filme seja relativamente curto - 100 minutos.
Bloom realmente não funciona como cinema. Todas as nuanças
do livro - o jogo de cores, as tensões simples entre as personagens,
ficam suavizadas e poucas pessoas se sentirão confortáveis ao
receberem tanto texto em frames por segundo, como na apresentação
que Dedalus pode provar que Shakespeare era o verdadeiro Hamlet
através da matemática.
Como consolo, quem quiser se aventurar na versão 24 Horas
de James Joyce, o filme deixa evidente a ironia, as piadas e
todo flagelo que o irlandês colocava em sua verve. Encarado
desta maneira, Bloom ganha muito em interesse - ajudado
pela impecável atuação de Rea.
Walsh optou por dar movimento a fragmentos do livro, o que,
de fato, acaba por estragá-lo. Ulisses nunca se imaginou
cinema. Uma verdadeira versão do livro para as telas deve considerar
a mudança de suporte, não uma transcrição pura e simples. Quem
sabe na mão de um Baz Luhrmann da vida a coisa funcione melhor
porque o Bloomsday é um tributo ao herói moderno, o herói de
sua própria vida. E este Homem Comum Enfim merece respeito em
película.
Links:
Site Oficial
do filme
Texto
cedido pelo site Speculum
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