Especial - Atores Digitais
por Diogo Mattos
diogo@areaweb.com.br
01/07/2003

Nesta semana um fato no mundo do cinema realmente chamou a minha atenção. Não, não foi nenhum novo recorde de bilheteria quebrado por "Matrix Reloaded". Muito menos algo a respeito do Festival de Cannes (para o diretor Gus Van Sant ter saído consagrado de lá, o festival só pode ter sido um enorme fiasco). Mas, como eu ia dizendo, o que chamou a minha atenção foi uma frase de James Schamus. 

Como? Quem? Eu também nunca havia ouvido falar em tal figura. Mas vou explicar: ele escreveu o roteiro do filme "Hulk". Como já havia sido adiantado pela equipe do filme e visto nos trailers exibidos nos cinemas e disponíveis na Web, o personagem Hulk é feito digitalmente. Não se sabe se esta foi a escolha certa. Os fãs do herói, principalmente, estão com uma pulga atrás da orelha. Schamus, entretanto, está bem confiante a respeito da escolha. "Acho que ninguém viu um personagem digital tão integrado a um ambiente realista e com uma atuação neste nível. É como estar descobrindo Marlon Brando", disse ele. O roteirista ainda afirmou que Hulk merece uma indicação ao Oscar de melhor ator. 

Pelo que o trailer mostra, não dá para tirar muitas conclusões. Afinal, como e comum neste meio de divulgação, a edição é frenética, com cenas de no máximo dois segundos. A primeira impressão que tive - e muita gente também - é que personagem ficou parecido com o Shrek. O resultado, a princípio, pareceu bem tosco. Mas só saberemos se o desempenho do Hulk gerado por computadores será convincente quando o filme estrear. Particularmente, acredito que a impressão inicial não se confirmará. Afinal, devemos levar em conta que o filme não está sendo realizado por qualquer um. O diretor da parada é Ang Lee (de "O Tigre e o Dragão" e "Tempestade de Gelo"), um cineasta brilhante que geralmente costuma ter algo a dizer. Acredito que ele não embarcaria em uma barca furada. Meu palpite é que este Hulk provavelmente irá além de seus colegas digitais. Mas não apostaria todas as minhas fichas nisso. 

Desde que os efeitos especiais deixaram de ser uma simples ferramenta para contar histórias na tela e se tornaram a estrela de um filme, muita coisa mudou. Talvez o grande marco dos efeitos especiais tenha sido o primeiro "Guerra nas Estrelas" (ou "Star Wars - Episódio IV", como prefere George Lucas). Ali, antes de Luke Skywalker ou Darth Vader, o principal atrativo eram os efeitos gerados por computador. Aquilo revolucionou o cinema, que desde então buscou incessantemente aperfeiçoar a tecnologia para criar ambientes e situações que seriam impossíveis de ser vividas sem o auxílio do computador. O próprio Lucas criou uma empresa, a Industrial Light & Magic, que se tornaria uma espécie de 'selo de qualidade' para efeitos especiais filmes de ação e ficção científica nos anos 80 e 90. Nos últimos anos ela vem perdendo terreno para outras empresas (que vêm se mostrando mais competentes) mas ainda continua com grandes clientes em sua lista. "Hulk", por exemplo, é um trabalho da ILM. 

Os efeitos aperfeiçoaram, as animações também, até que o cinema chegou aonde era inevitável: a substituição de atores por efeitos de computador. O pioneiro, novamente, foi George Lucas. Em seu "Star Wars: Episódio I", de 1999, havia pela primeira vez um ser digital contracenando com atores de carne e osso. E a honra coube a Jar Jar Binks. O resultado foi uma lástima, parecia que estávamos assistindo a um videogame, com movimentos artificiais demais. E o personagem, provavelmente a criatura mais escrota da história do cinema, não ajudou muito. Mas, pelo menos, o primeiro passo havia sido dado. 

Alguns filmes foram um pouco além de Lucas. O Homem Aranha que balançava de teia em teia no filme do herói era totalmente gerado por computadores. Como os movimentos do herói eram rápidos, até que o resultado convencia. Mas, se melhor observados, também caíam naquela impressão de que se tratava de um videogame. "Star Wars: Episódio II" foi um pouquinho melhor que o episódio anterior da saga, mas não convenceu muito devido ao excesso de artificialidade de todas aquelas criaturas digitais. Até o tão falado "Matrix Reloaded", com orçamento caríssimo e cujo produtor Joel Silver afirmava possuir efeitos especiais inigualáveis acabou caindo um pouco na armadilha. É quase imperceptível, mas observadores mais atentos (ou chatos, como preferir) conseguem ver a cara do Keanu Reeves meio 'chapada', cheia daqueles quadradinhos típicos de imagens de computador, naquela cena em Neo enfrenta mais de cem agentes Smith. 

Outro filme foi mais radical. Colocou um elenco inteiro de atores virtuais. Não só atores como também cenários, figurinos, enfim, tudo. Foi "Final Fantasy", em 2000. Não sei se o leitor irá se lembrar, já que se trata de um filme totalmente esquecível. É bem feito e tudo mais. Mas faltou algo para dar vida ao filme. Embora seja um vislumbre saber que a animação tenha chegado a tal ponto, aqueles movimentos que parecem o andar de robôs ainda incomodam o espectador. O filme foi caríssimo e a bilheteria, um fiasco. O resultado levou à falência a produtora do filme. O que prova que, embora possam aparecer hora ou outra, ainda falta um bocado para que atores digitais possam compor todo o elenco de um filme. É uma tecnologia extremamente cara. 

Há, portanto, uma diferença entre a necessidade de se usar atores gerados por computador e a simples vontade de mostrar que é possível colocar um efeito especial atuando. "Homem Aranha" só foi possível de ser realizado da forma que foi por causa do avanço da tecnologia. Seria inconcebível que o filme fosse realizado de outra forma, com um ator real para fazer aqueles movimentos todos. A computação levou o personagem a lugares inimagináveis a uns dez anos atrás. O mesmo podemos dizer de "Matrix Reloaded". Apesar dos pequenos defeitos, os responsáveis pelos efeitos destes filmes são responsáveis por momentos espetaculares. Já "Star Wars" cai, em geral, naquela segunda hipótese citada no início do parágrafo. Há muito de desnecessário naquela infinidade de atores virtuais, o que acaba afetando o resultado final do filme. Ewan McGregor, que vive o personagem Obi-Wan Kenobi na saga, vive reclamando que é impossível atuar decentemente contracenando com um vazio, para só depois uma equipe inserir personagens por computador nas cenas. 

O que todo responsável por efeitos especiais deseja, no fundo, é obter o êxito da Weta Digital, empresa responsável pelos efeitos especiais da trilogia "O Senhor dos Anéis". O personagem Gollum não é 100% perfeito, mas é o mais perto disso que já se chegou para uma animação que tenha realmente que 'atuar'. Consegue passar emoções que muito ator de verdade seria incapaz. Tanto que alguns exagerados sugeriram que o personagem fosse indicado ao Oscar de ator coadjuvante. Parece que o personagem é feito com uma tecnologia diferente, com um ator de verdade - Andy Serkis - tendo seus movimentos reais captados por sensores e só depois transformados pelo computador no personagem. 

A escolha de um Hulk digital parece ter sido a mais adequada. Seria meio ridículo usarem um homem forte pintado de verde, como no seriado de TV do passado. Já que a computação tenha chegado a um estágio avançado - embora longe da perfeição - nada mais correto do que utilizá-la para dar vida a personagens no cinema. Se Hulk chegar ao mesmo nível de perfeição que Gollum, o resultado já será satisfatório. Mas esperamos que ele vá além, e seja isso tudo o que os realizadores do filme andam alardeando - embora toda vez que alguém anuncia uma 'revolução' nos efeitos especiais, o resultado geralmente decepcione. Agora, quanto à comparação com Marlon Brando feita por James Schamus, bem, aí os especialistas em efeitos especiais ainda terão algumas décadas de trabalho para tentar chegar perto.