"Anti-Herói
Americano"
por
Danielle Consolino
Fotos - Divulgação danielle_consolino@yahoo.com.br
29/03/2005
Imaginem
um cidadão com uma vida ordinariamente comum. Ele é deprimido,
trabalha em um hospital como arquivista, passou por casamentos
frustrados e em seu tempo livre percorre inúmeros brechós atrás
de discos de jazz, quadrinhos e livros. Até aí, o máximo que
se pode imaginar é que estamos falando de algum loser
qualquer a vagar por uma grande cidade; se não estivéssemos
falando do excêntrico Harvey Pekar.
Natural de Cleveland, Ohio, nos Estados Unidos, Harvey Pekar se consagrou como o criador das histórias em quadrinhos American Splendor, uma espécie de autobiografia do próprio Pekar publicada anualmente desde os idos 1976. Mais do que somente retratar o cotidiano de Pekar, American Splendor primou por ser a expressão humana e sincera de um obsessivo-compulsivo trabalhador de classe média baixa, em que cenas as quais testemunhava nas ruas, no hospital em que trabalhava ou em casa eram mescladas a divagações sobre as mais diversas questões de cunho político, existencial ou filosófico. Com uma boa dose de humor ácido, os quadrinhos foram pioneiros no gênero autobiográfico. Seu gosto por jazz e literatura, ainda, lhe rendeu inúmeras críticas publicadas em jornais e revistas.
No filme, é interessante notar a maneira como se combinaram
ficção, histórias em quadrinhos e o gênero documental. Belamente
ilustrado por Gary Leib e John Kuramoto, da produtora nova-iorquina
Twinkle, a animação bem como as inserções do próprio Harvey
criam um verdadeiro jogo de construção de personagens. Nele,
o personagem Harvey dos quadrinhos, o homem Harvey, a ilustração
Harvey e o protagonista Harvey (interpretado pelo ótimo Paul
Giamatti, que ganhou grande destaque em 2004 por sua atuação
em Sideways - Entre Umas e Outras) parecem se fundir
para contarem uma história única, assim como ocorria com os
próprios quadrinhos ilustrados a cada edição por um cartunista
diferente (como o famoso Robert Crumb, de Fritz The Cat),
dando assim facetas diferentes a esse anti-herói rabugento.
Aproveitando-se dessa fusão de gêneros, a versão cinematográfica nos coloca em contato com algumas pessoas de fundamental importância na vida de Pekar, como a esposa Joyce Brabner (interpretada por Hope Davis) e seus colegas de trabalho do hospital, como o nerd de carteirinha Toby Radloff (Judah Friedlander).
Outro ponto alto do filme é sua trilha sonora, marcada por várias lendas do jazz como Dizzy Gillespie e Jay McShann, e standarts como My Favorite Things, de John Coltrane e Ain't That Peculiar, de Marvin Gaye, canção incluída no filme a pedido do próprio Pekar. Já a fotografia foi pensada a fim de que a parte narrativa lembrasse o naturalismo dos quadrinhos e de que a parte documental fosse construída a partir de composições plasticamente simples dentro de ambientes artificiais.
No fim das contas, Anti-herói Americano não será considerado um clássico daqui a alguns anos, nem um épico a contar a saga de uma personalidade fundamental da história americana... aliás, nem se proporia a sê-lo! Como relato sincero e criativo, o filme cumpre seu papel de mostrar-nos a vida - ou melhor, uma pequena parte dela - de um sujeito aparentemente banal tratada com muito humor e certo lirismo. Levou o Grande Prêmio do juri em Sundance e teve seu roteiro indicado ao Oscar. Diversão garantida nas locadoras.
Site Oficial
do filme
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