Amor em Jogo
por Marcelo Costa
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10/09/2005

Nick Hornby ainda não conseguiu ser retratado com alta fidelidade no cinema. Amor em Jogo, baseado no romance de estréia do escritor, Febre de Bola (Fever Pitch), é a quarta adaptação para as telonas de obras do britânico, e novamente escorrega ao alterar detalhes chaves do livro, mas, no entanto, assim como os filmes anteriores, não desonra a temática básica da literatura nickhornbyana. Está longe de ser um dos filmes do ano, mas merece ser visto com cuidado e analisado com atenção.

Apaixonado pelo livro High Fidelity, o ator John Cusack comprou os direitos para o cinema, recrutou Stephen Frears para a direção (Minha Adorável Lavanderia - Ligações Perigosas), transportou a trama de Londres para Chicago, mudou o sobrenome do personagem principal e alterou o trecho final trocando uma celebração dos Beatles via Backbeat (clássicos do rock tocados com fúria em versões toscas e roqueiras) pela sensualidade de Marvin Gaye com Let's Get In On. O resultado final de Alta Fidelidade (2000), apesar das pequenas doses de infidelidade (desculpe o trocadilho) textual, foi ótimo. Não existe coisa mais nickhornbyana do que a cena que exibe Rob Fleming vibrando ao som de We Are The Champions (Queen) ao saber que sua ex-namorada ainda não havia transado com o novo namorado.

A versão cinemão de Um Grande Garoto (2002) (About a Boy) ficou um pouco mais descaracterizada, mas não menos interessante. A dupla de diretores Chris e Paul Weitz convocou Hugh Grant para o papel principal, e poucas vezes Grant esteve tão a vontade em um personagem. O ator chega a comentar, no making of do filme, que se sentiu traduzido pelo roteiro. Porém, o roteiro peca ao limar algumas das maiores excentricidades de Hornby (a saber: música, cinema, literatura, isso que chamam cultura pop). E simplesmente ignora um dos temas mais interessantes do livro: a relação mito e mitificador, exemplificada a perfeição no episódio Kurt Cobain. No geral, um filme bom, mas que poderia ser beeem melhor.

Fever Pitch (Febre de Bola), primeiro romance de Hornby, já havia sido vertido para as telonas em 1997, em uma versão européia bastante convincente, que destaca um excelente Colin Firth (O Diário de Bridget Jones - O Casamento do Meu Melhor Amigo) no papel principal, mas que não ganhou muita atenção do público à época, e hoje é um filme cult que merece ser visto. Assim como aconteceu com Cusack e Alta Fidelidade, Fever Pitch caiu nas mãos da atriz Drew Barrymore, que se apaixonou pelo livro, e entrou como produtora, transportando a trama de Londres para Nova York, aumentando a importância do personagem feminino na história (no livro, o romance aparece apenas no meio da narrativa, crescendo aos poucos até o final), recrutando a dupla de diretores Peter e Bobby Farrelly (Quem Vai Ficar com Mary?) e trocando o futebol (pouco conhecido nos EUA) pelo beisebol. Com todas essas "infidelidades", Amor em Jogo poderia ser considerado um erro, mesmo tendo Nick Hornby assinando a produção executiva? Não, caro leitor. Ao transformar o que era narrativa de diário de um fã de futebol em uma comédia romântica, Barrymore não esqueceu de destacar o cerne da literatura nickhornbyana: a dificuldade do homem moderno em envelhecer.

Em Alta Fidelidade, Rob Fleming tem 35 anos, não é casado no papel, não pensa em filhos, é dono de uma loja de vinis (lembre-se que estamos na época dos CDs e do MP3) e passa o dia inteiro formulando listas de cinco mais de todos os tempos. Em Um Grande Garoto, Will Freeman tem 36 anos, não trabalha, não tem um relacionamento concreto, tem pavor de se imaginar pai, e gasta seu tempo gastando o dinheiro com CDs, jogos eletrônicos, televisão e "atacando" mães solteiras. Quando escreveu Febre de Bola, Nick Hornby tinha 35 anos. O livro, autobiográfico, narra a paixão de um homem por um time de futebol. Hornby acompanhou por 23 anos o Arsenal (o equivalente inglês do Corinthians Paulista) e narra em forma de diário a importância que o clube teve na sua vida.

Estes três livros, vertidos para o cinema, discutem a idéia da adultescência, um fenômeno do fim do século XX que a psicologia define como "jovens que entram na fase adulta e continuam agindo como se fossem adolescentes". São homens que, aos 30 e poucos anos, continuam falando de tudo aquilo que falavam aos 17, ainda moram com os pais, não pensam em constituir família e fogem da maturidade. Porém, psicologia de lado, o assunto é tema forte na literatura recente, como nos livros de Marcelo Rubens Paiva, Nick Hornby e André Takeda, só para ficarmos em três. E é esse foco na questão da adultescência que Drew Barrymore destacou na adaptação de Fever Pitch, não questionando, mas sublimando seu caráter romântico.

Em Amor em Jogo, assim como na primeira versão inglesa, o roteiro aumenta a participação feminina na trama. Barrymore é Lindsey Meeks, uma empresária de sucesso, que encarna o perfil das sofredoras românticas modernas: uma carreira impecável, um bom salário, mas sem um namorado. Jimmy Fallon é Ben, um professor que não ganha muito dinheiro (perdoe a redundância), se veste como um adolescente, é torcedor fanático pelo time de beisebol do Red Sox, mas não consegue unir a sua paixão pelo esporte com a paixão por uma mulher. A aparição de Lindsey faz Ben questionar a sua paixão por seu time do coração. É uma comédia romântica em que a mulher luta pelo amor de um homem não contra outra mulher, mas sim contra um time de beisebol. A sacada, no entanto, é dada pelo próprio personagem masculino, reeditando a genialidade do livro: a paixão do rapaz pelo time preencheu o vazio de sua família: o time acabou ocupando o espaço que deveria ser de sua família em sua vida (Nick Hornby - assim como o personagem do filme - era filho de pais separados, e ver jogos do Arsenal era a única atividade que o aproximava do pai).

Por mais que Jimmy Fallon exagere em algumas passagens, dá para assinar embaixo de sua atuação. Lembro que, da última vez que me senti verdadeiramente um torcedor de futebol, passei uma noite inteira chorando após o Corinthians fazer uma belíssima apresentação nas oitavas de final da Libertadores, consagrar o goleiro adversário São Marcos (se um goleiro é o melhor jogador da partida quer dizer que o time adversário deu muuuuito trabalho a ele) e cair pelo segundo ano consecutivo frente ao seu maior arqui-inimigo, o Palmeiras. Minha mãe aparecia no quarto de hora em hora, também chorando, e me consolava: "ano que vem a gente ganha". Porém, daquela noite em diante, alguma coisa mudou para mim, e nunca mais consegui torcer com tanta paixão quanto torcia. Imagine um cara chorando uma noite inteira por um time de futebol? Aconteceu... comigo. Amor em Jogo traz várias cenas que podem ser colocadas em nível de igualdade com essa. Uma, exemplar, mostra quatro amigos deprimidos enchendo a cara em um bar após uma derrota de seu time quando vêem três jogadores do seu clube comendo do bom e do melhor entre risos. "Esses caras deveriam ter vergonha. Eu não consigo nem mastigar e eles riem", diz um dos torcedores. O que para uns é trabalho, para os outros é paixão.

Como foi escrito no começo deste texto, Amor em Jogo não desonra a temática básica da literatura nickhornbyana, mas está muito longe de ser um dos filmes do ano. É apenas bonitinho, e olhe lá. Mas, apesar da infidelidade ao livro, o filme funciona bem ao captar - pelos olhos de uma mulher (Drew Barrymore) - estes seres estranhos que são os homens do fim do século XX, começo do século XXI. Envelhecer é parar no tempo? Cochilar a mente? Esquecer de tudo o que a gente gostou na vida? O que deveríamos estar fazendo agora? Jogando golfe, contando dólares, ouvindo música sertaneja e indo à igreja todos os domingos? Desculpe-me. Tem show do Wander Wildner à noite, um livro do Tony Parsons e um DVD sobre o Bob Dylan me esperando. Preciso trabalhar. A gente se vê.

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