"Alpha Dog"
por
Marco Antonio Bart
Blog
01/06/2007
Olhando para um “entrevistador” posicionado fora do enquadramento, usando seu 26° modelo de peruca, Bruce Willis dispara na cena de abertura de "Alpha Dog": “Tudo isso para mim se resume a uma coisa: os pais precisam tomar conta de seus filhos. Eu tomo conta dos meus, você toma conta dos seus”. Ou algo assim, as palavras podem não ser essas, mas o sentido sim. Não há questão mais importante para o cinema norte-americano contemporâneo do que a família disfuncional. Nove entre dez filmes convergem para este tema, extraem seu sentido e suas resoluções dramáticas desse(s) fantasma(s) no inconsciente coletivo dos ianques - traumas de infância, abuso e/ou descaso parental, lares desfeitos, conflito de gerações. Cineastas como Wes Anderson construiram carreira inteiras martelando esses assuntos.
Apesar deste preâmbulo, "Alpha Dog" não trata (apenas) disso. O filme recria a bizarra saga vivida por Jesse James Hollywood (sim, é o nome verdadeiro do cara!), jovem traficante de drogas californiano, que em 2000 orquestrou o rapto e assassinato de um garoto de 15 anos. Motivo: vingança. O irmão do morto devia uma grana a Hollywood. Numa manobra digna de seu sobrenome, Jesse escapou dos canas nos EUA (enquanto todos os seus comparsas foram engaiolados) e fugiu para… o Brasil. Foi capturado em Saquarema, Região dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro. Dirigido por Nick “filho-de-John” Cassavetes, o filme é fiel aos eventos reais, mas troca nomes e algumas circunstâncias do caso. O resultado é uma mistura de mockumentary (há inserções de “entrevistas” com os personagens, como a protagonizada por Willis) com o estilo de ficção hiperrealista criado por Gus Van Sant com "Elefante" e "Last Days".
Fazendo cinema “a quente”, lidando com fatos recentíssimos (na vida real, o protagonista dos crimes ainda nem foi condenado em última instância), "Alpha Dog" ultrapassa a clicheria do “filme-denúncia”. Sóbrio, sem sensacionalismo, lança olhar perceptivo sobre a “juventude perdida” que esconde nas colinas da classe média de Los Angeles. Um indicativo da ausência de clichês: é um filme sobre a marginalidade em L.A. que não tem sequer um negro entre seus protagonistas. (Mas tem Justin Timberlake, que queria ser Michael Jackson, que não é bem negro… bom, ao menos o ex-N’Sync e ex-Britney Spears está bem no filme.) Mudando de assunto, bem mesmo está Ben Foster, que interpreta um dos pivôs da trama - o irmão do garoto raptado. Speed freak, pilhado 100% do tempo, o cara é judeu e exorciza sua condição pendurando pôsteres de Adolf Hitler nas paredes de casa. E em pelo menos duas cenas (quando é demitido do emprego por usar drogas e ao ameaçar o traficante-protagonista), sua performance atinge uma intensidade rara, totalmente over mas ainda assim crível.
Mas na verdade, se fosse o caso de dar uma definição rápida & rasteira sobre o filme, o mais acertado seria algo como um cruzamento entre "Kids" e "Fargo". Cassavetes registra o cotidiano de garotos que falam e fazem merda como gangsters de verdade, mas que não amadurecem com a barra-pesada. Johnny Truelove (Emile Hirsch), o Jesse James do filme, é filho de um traficante graúdo (o personagem de Bruce Willis), conseguiu uma pequena fortuna vendendo maconha para a playboyzada angelena e dorme com uma automática embaixo do travesseiro. No entanto, quando a coisa fica preta, ele afrouxa. É só um garoto, brincando de ser bandido. Como em "Kids', a câmera ágil, “suja” como num reality show, captura a imaturidade e a irresponsabilidade típicas da pós-adolescência. Os membros da gangue de Truelove sentem-se como superhomens indestrutíveis, brincando com armas e drogas, assim como a moçada de "Kids", desafiando a Aids transando sem camisinha. Outro ponto em comum: os adultos ficam à margem em ambos os filmes. Se em "Kids" nem se vêem pais e/ou responsáveis, em "Alpha Dog" eles pontuam aqui e ali, ineficazes, desconectados da realidade dos filhos. A mãe do garoto raptado, vivida por Sharon Stone, se desespera com o destino do moleque. Mas aí já é tarde demais.
E olha aí a família disfuncional dando as caras. A fala de Willis no começo e o foco exclusivo nas desditas da garotada podem levar o espectador a uma conclusão fácil: pais ausentes, filhos desencaminhados. Nick Cassavetes, entretanto, não nega o DNA paterno, que o impele a fugir das conclusões fáceis (mesmo num filme menos pessoal do que de costume). O diretor não julga seus personagens, e por isso mesmo, também não os perdoa. Nem apresenta pressupostos morais para orientar o público. Sim, a delinqüência de "Alpha Dog" é resultado da ausência (ou da falha) das figuras de autoridade. Mas Cassavetes joga outras variáveis na equação: o hedonismo e a irresponsabilidade da juventude, o apelo do banditismo - forte em uma cidade como Los Angeles, assim como nas favelas cariocas - tudo isso pesa nas decisões e nas desditas dos protagonistas. O tom semidocumental da encenação reforça a impressão de que o roteiro não quer conduzir o público a quaisquer conclusões (ao menos, não as fáceis). Os eventos estão ali. Vemos as conseqüências dos fatores citados acima, fermentados entre os membros de uma gangue de pseudo-bandidinhos envolvidos em uma brincadeira que chegou longe demais. Mas as causas, ou as explicações, devem ser preenchidas por cada um dos espectadores.
A comparação com "Fargo", (uma das) obra(s)-prima(s) dos irmãos Coen, se justifica pela similaridade no qual o mal - a violência, a crueldade - é praticado de maneira inconseqüente e banal em ambos os filmes. Na Hollywood de antanho, os filmes criminais vinham assombrados por um indisfarçável moralismo, que arruinava os perpetradores junto a suas vítimas. Cineastas como Coppola e Scorcese enxergaram uma dimensão épica em chefões mafiosos e punguistas de rua. Tarantino transformou o crime em cultura pop. Os Coen, com "Fargo", se limitaram a mostrar a estupidez e a falta de sentido da violência - e não é assim que ela é praticada na vida real? "Alpha Dog" choca pelo caráter aleatório, vazio, inútil que empresta ao assassinato. Depois de chocar, aterroriza - quando nos lembramos que a história é baseada em eventos reais. E que provavelmente há um caso parecido prestes a acontecer a cada esquina. Você sabe onde seus filhos estão neste momento?
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