Agora ou Nunca
por Drex
cartasdemaracangalha.blogspot.com 
25/08/2003

O Ministério da Saúde Britânico deveria obrigar o diretor e roteirista Mike Leigh a estampar no cartaz promocional de "Agora ou Nunca" (All or Nothing - Inglaterra, 2002) a seguinte advertência: "assistir deprimido pode levar ao suicídio". Respire fundo, tudo aqui vai ser angustiantemente simples, banal, tedioso e sem-sentido. Irreversível, muitas vezes. No final, pode parecer sadismo, mas a jornada acaba valendo a pena.

Quem se lembra do mais aclamado filme de Mike Leigh, "Segredos e Mentiras", ganhador da Palma de Ouro em Cannes 1996, sabe do que estou falando. Leigh, inspirado por suas raízes teatrais, costuma fazer filmes de baixo orçamento, com diálogos improvisados, elenco sem glamour e estórias simples sobre a vida cotidiana. A partir da vida aparentemente sem sal de pessoas comuns, ele consegue sempre extrair dramas intensos e dissecar personagens inesperadamente complexos.

Se em "Segredos e Mentiras" ainda havia algum humor e uma auto-ironia ácida, aqui o buraco é mais embaixo. "Agora ou Nunca" aborda a vida de três famílias proletárias moradoras de um mesmo conjunto habitacional. Passando por todos os problemas corriqueiros da vida, do alcoolismo à depressão, da falta de dinheiro à gravidez indesejada, todos ali se identificam em duas coisas: não vêem muito sentido nas suas vidas e estão acomodados com isso. Só uma das personagens exibe algum otimismo. No mais, todos parecem estar afundando numa espiral sem saída.

O que angustia aqui é a idéia de que a vida não precisa ser trágica para ser triste. De como as limitações, frustrações e insatisfações do dia-a-dia acabam isolando cada um num mundo solitário e sem sentido. 

No final do filme, nossas almas são salvas e concede-se um fio de esperança para os personagens. Mas isso acontece sutilmente, pois os problemas continuam todos lá, todos ainda por resolver. O que muda, simplesmente, é o modo de encarar estes problemas.

Talvez Leigh abuse um pouco da tragédia cotidiana de seus personagens. Ou talvez apenas carregue nas tintas para explicitar os absurdos labirintos em que costumamos entrar. Acaba usando um pouco da estratégia de ir até o fundo do poço para só então propor alguma saída. Esse tipo de redenção funciona melhor em Magnólia, mas a comparação seria injusta: Magnólia é uma obra-prima.

"Agora ou Nunca" não é uma obra-prima, mas é humano, sensível e honesto. Por isso, acaba não sendo de fácil ingestão. Mas, como propõe o filme, a vida não é fácil, mas é a vida.