Waking Life
por Angélica Bito

Se você é daqueles que ainda encara animações como produções infantis e, portanto, facilmente digeríveis, assista a Waking Life e conclua que essa premissa está incorreta. O novo longa de Richard Linklater (do cult "Antes do Amanhecer") está longe de ser infantil, muito menos é facilmente digerível. As figuras animadas atingem um grau de abstração artística enquanto cores e texturas dançam na tela. As imagens, psicodélicas, são ricamente trabalhadas e coloridas. Tudo para que o espectador tenha idéia do que se passa na tela: um sonho.

O protagonista de Waking Life vê em sua frente um desfile de personagens peculiares, únicos. Cada um deles trava com o jovem discussões existenciais que vão desde a reencarnação até a evolução da espécie humana. Nenhum deles tem nome, nem mesmo o protagonista, mas todos tem muito a dizer. Muito mesmo. E, assim como faz o personagem principal na maioria das vezes, nós simplesmente ouvimos, vemos e refletimos. Nada melhor do que uma animação cheia de cores em movimento para ilustrar um roteiro tão denso, cheio de filosofia e que teria tudo para entediar o espectador na primeira hora. Teria, mas não faz. Waking Life, portanto, é uma rica animação que tende a agradar somente aos adultos. Pensantes, de preferência.

A questão existencial que pontua todo o filme é a dúvida do protagonista: como diferenciar a vida real àquela que existe somente em nossos sonhos? Como identificar essa tênue linha que separa o real do imaginário? Pode ser mais simples do que se imagina, ou não.

O personagem principal vive dentro de um sonho e, quando acorda, está dentro de outro sonho. Nesse mundo irreal/real é discutido o império da mídia, religião, alienação, Sartre, sonhos, corporações globais e por ai vai. 

Dando leveza ao roteiro denso está o trabalho visual concebido por Richard Linklater e Bob Sabiston, o diretor de arte do filme. Juntos, eles pensaram em uma forma peculiar de dar vida ao roteiro de Linklater. No fim das contas, podemos dizer que são dois filmes em um. Primeiro, o diretor filmou a história com cenários e atores de carne e osso. Depois, entregou o resultado nas mãos de Sabiston que, junto a uma equipe de trinta desenhistas, trabalhou artisticamente sobre cada fotograma para criar a animação que vemos nas telas. Foram 250 horas de trabalho, aproximadamente, transformados em 99 minutos de filme.

Por isso você tem a impressão de já ter visto aqueles personagens em algum lugar. Ethan Hawke e Julie Delphy, que trabalharam com Linklater em "Antes do Amanhecer", estão lá. O protagonista é a figura de Willy Wiggins, que trabalhou com o diretor de Waking Life em 1993, no "Jovens, Loucos e Rebeldes". Em outro trecho, o diretor Steve Soderbergh ("Traffic") aparece contando uma piada que cita Billy Wilder e o ensaista francês Andre Bazin. Até Linklater e sua filha fazem "participações" no filme.

Waking Life desperta o interesse do espectador disposto e preparado a pensar. Se você se encaixa neste perfil, não perca tempo: dispa-se de qualquer preconceito existente em relação a animações e prepare-se para ter uma experiência não somente cinematográfica, mas também estética e, principalmente, filosófica.