Para
(Tentar) Entender as Mulheres.
por
hugo
Virgens Suicidas e 100 Garotas:
dois filmes totalmente diferentes entre si (um drama e uma comédia)
mas que têm, pelo menos, duas coisas em comum. A primeira é
a participação de Jonathan Tucker nos dois; e a segunda,
o tema.
E esse tema poderia ser a adolescência
como um "rito de passagem" para a vida adulta ou, ainda, uma "reflexão"
sobre a natureza do ser humano e o relacionamento com seus semelhantes
... mas, não, eu prefiro me concentrar em outra coisa: em como esses
dois filmes nos ajudam (a nós, seres humanos do sexo masculino)
a entender as mulheres e a nossa posição em relação
a elas.
Pretensioso, não é?
Eu sei. Pretensioso e inútil, como veremos.
Virgens Suicidas
Esse
é o filme feminino da dupla. Trata-se da estréia de Sofia
Coppola (sim, isso mesmo, filha do "homem") como diretora, adaptando o
livro de mesmo nome de Jeffrey Eugenides, que conta a história das
irmãs Lisbon e de como elas afetaram a vida de um grupo de meninos,
também adolescentes, que moravam no mesmo bairro.
A história é baseada
em fatos reais, sendo que o autor fez parte do grupo de garotos. Ou, talvez,
eles só o representem, já que não demonstram uma identidade
individual durante o filme, pelo contrário, são de uma unidade
incômoda (só há um narrador, já adulto, que
conta a história em off e que não se apresenta como
nenhum dos personagens - mas creio que seja o mais novo deles). E é
através desse artifício (sórdido, por sinal), que
a narrativa, já misteriosa, nos envolve praticamente colocando-nos
na trama. Durante todo o filme nós fazemos parte, ou somos, aquele
grupo de garotos, também.
E durante todo o filme nós
adoramos também aquelas garotas. Principalmente, e muito, Cecilia
(Hanna R. Hall) e Lux (Kirsten Dunst, a garotinha de Entrevista Com o Vampiro,
que demonstrava já aos 8 anos ter potencial, ao declarar que teve
nojo das cenas de beijo com o Brad Pitt); mas, infelizmente, pouco, muito
pouco teremos chance de adorar Mary Lisbon (A.J. Cook, uma espécie
de Uma Thurman mais nova e mais sexy, se é que isso é possível
ou mesmo desejável).
Mas ok, vamos ao que interessa: estamos
em meados dos anos 70, em um bairro de classe-média americano, cheio
de
casinhas bonitinhas e jardins bem-cuidados, onde vivem o Sr. a Sra. Lisbon
com as suas cinco filhas, que vivem enclausuradas e sob uma rígida
disciplina devido ao extremo conservadorismo dos pais (principalmente da
mãe). O filme começa com a tentativa de suicídio de
Cecilia, a mais nova delas, de 13 anos. Esse ato, aparentemente inexplicável,
muda tudo. A partir daí, aconselhados por um psiquiatra, a família
vai tentar se socializar mais. E é então que os garotos vão
ter uma chance maior de participar da vida delas, de tentar entendê-las
e partilhar seus sonhos. Digo tentar, porque eles sempre estarão
em uma posição periférica, mais observando do que
participando. E eles passam a analisar a pouca informação
que conseguem, para tentar decifrar o enigma que elas são. Colecionam
objetos que conseguem no lixo, observam-nas de longe e sonham. Principalmente
sonham. Infelizmente.
Mas felizmente também aprendem
muito: quando têm acesso ao diário de Cecilia, a mais sábia
de todas, descobrem um pouco de toda a complexidade que é ser uma
adolescente e chegam à conclusão que as mulheres, de alguma
forma, têm uma tal sabedoria e conhecimento sobre a vida (o que as
leva, por exemplo, a saber combinar cores), que a eles cabe somente fazer
o barulho certo que possa encantá-las (e, Deus!, nós sabemos
como isso pode ser difícil), como as eternas crianças que
estamos condenados a ser.
Cecilia, na melhor frase do filme,
ao ser questionada pelo médico que a atendeu sobre o que uma menina
tão nova conhece da vida a ponto de tentar se matar, simplesmente
diz: "O senhor, obviamente, nunca foi uma garota de 13 anos". Não,
ele nunca foi. Nem eu tão pouco. E esse é o ponto central
do filme, onde as cartas são colocadas na mesa: uma mulher, uma
médica, faria a mesma pergunta? Se sim, como a encararia? Com reprovação,
compreensão, admiração ou inveja? Qual resposta mereceria?
Talvez, "a senhora, obviamente, nunca foi um ser humano" (digo isso, porque
ela finalmente se mata quando perde toda a esperança na dignidade
humana)?
Bom, mas eu disse que elas eram um
enigma para eles, não foi? Se disse, fico mais à vontade
para dizer que elas, em conjunto, tão diferentes que são
entre si, representam todas as mulheres. A tentativa deles de entendê-las
(as irmãs), é a tentativa de todos nós, de entendê-las
(as mulheres) também.
Mas, durante toda a história,
sendo o que for que haja, eles manterão essa posição
de inferioridade e de adoração que, claro, é a única
possível. E o pior: tudo isso, tudo o que eu falei até agora,
é só o começo. Há ainda três quartos
de filme pela frente, e muito, muito mais mistérios a serem desafiados,
porque da natureza feminina é o mistério.
Você até agora foi Cecilia,
mas ainda será um pouco de cada habitante daquele bairro, e mais
importante, será Lux Lisbon e será Trip Fontaine. Mas você,
ao contrário deles e de todos, saberá perdoar? Saberá
esquecer? Saberá entender? Saberá compreender? Ou só
saberá acusar?
100 Garotas
Seria
machismo da minha parte, dizer que esta, que é uma boa, leve, inteligente
e sensível comédia adolescente, é o filme masculino
da dupla? Se for, nada posso fazer, pois é a verdade, juro. Sem
contar que agora é tarde, eu já disse.
Bom, em relação ao filme,
a história não poderia ser mais simples e ter conseqüências
mais complexas: um cara qualquer, conhece uma garota especial, transa com
ela e se apaixona. Mas tudo isso acontece às cegas, quando eles
ficam presos em um elevador durante um blecaute. Horas depois ele acorda
sozinho sem saber quem era ela e como achá-la. O rapaz é
Matthew (Jonathan Tucker), o elevador é o do alojamento feminino
da universidade onde ele estuda e a garota é uma das 100 moradoras
deste prédio.
Esta "paixão" que poderia parecer
algo superficial ou infantil, transforma-se em uma história comovente
e adulta pela forma como Matthew a encara (se alguém pode ser feliz
somente achando que é, também pode estar apaixonado, se acha
que está). E todo o filme trata desta busca da mulher ideal de Matthew,
que, claro, é a nossa busca pela nossa mulher ideal. Usando o cargo
de responsável pela manutenção do prédio, ele
causa problemas para ser chamado e poder observar as garotas mais de perto,
em seus quartos, em suas vidas, em suas relações.
Como no filme Beleza Americana, talvez
não seja possível se identificar totalmente com algum dos
personagens, mas pela grande variedade apresentada, é possível
ver um pouco de si mesmo em cada um, principalmente por serem apresentados
os seus respectivos opostos. Se nenhum homem é (espero) tão
doce, ingênuo, sensível e romântico como Matthew, e
tão pouco é (espero) tão machista, inseguro, vaidoso
e sexista quanto o seu colega de quarto; por outro lado, é , alternadamente
(claro), um pouco dos dois. Ainda bem.
E o desfile de belas garotas, tão
variadas em suas personalidades, que são "pintadas" de maneira tão
envolvente apesar das poucas pinceladas usadas, representa, talvez, tudo
o que alguém pode esperar, desejar ou encontrar em sua amada. Virtudes
e defeitos, para o bem ou para o mal.
E apesar de ser o personagem principal,
Jonathan Tucker um pouco que repete o seu papel em Virgens Suicidas, sendo
um mero espectador do universo feminino, estando a sua vida à mercê
delas e de seus caprichos. Caprichos sábios (mas caprichos), que,
claro, são acatados por ele como são (ou deveriam ser) acatados
por nós, na posição de adoradores que sempre estamos.
E na sua busca, Matthew conhecerá
melhor a si próprio e a seus semelhantes, irá aprender a
se aceitar e a aceitar os seus semelhantes, irá se ajudar e ajudará
aos seus semelhantes. E nada disso, nunca, é apresentado de forma
moralista ou com a intenção de ensinar uma lição,
pois afinal, é uma comédia, uma comédia adolescente.
Aliás, é bom salientar,
uma comédia adolescente que teve censura de 16 anos em nossos cinemas.
Uma comédia adolescente que (falo sério), poderia ser exibida
em colégios, e utilizada por educadores, mas que acabará
esquecida em alguma Sessão da Tarde ou Cinema em Casa, de alguma
TV.
Mas, afinal, isso talvez longe de
ser um problema, pode mesmo ser uma solução.
Sei que trapaceei ao dizer logo de
cara que esta análise seria inútil, mas quem sou eu para
ter tamanha pretensão em contrário? Talvez aquele velho ditado
que diz que o melhor da festa é esperar por ela, não seja
só uma desculpa covarde como parece, para evitar a luta e o envolvimento;
mas seja, sim, uma boa maneira de dizer que mesmo que ninguém lhe
dê a resposta da charada, pensar sobre ela e tentar matá-la,
já seja diversão suficiente.
hugo
( hugolt@hotmail.com ) colabora
com este zine e gostaria de poder explicar certas coisas a certas pessoas,
mas ao invés de encarar isso como possibilidades perdidas, prefere
pensar no futuro. Ou seja: é um romântico incurável. |