"Oscar 2002"
Por
Angélica Bito
O Oscar 2002 tinha tudo para
ser movido pelo lobby. Ou pelo anti-lobby, campanhas negativas para acabar
com o filme concorrente. O alvo foi Uma Mente Brilhante. Não
se sabe ainda de onde surgiram os boatos, mas eles se espalharam e devem
ter chegado nos ouvidos dos membros da Academia. John Nash – o verdadeiro,
cuja vida inspirou o filme – seria racista e anti-semita. Além disso,
o filme ocultou fatos importantes de sua biografia, como a homossexualidade
e o caso extraconjugal que teve com um de seus alunos. Mesmo assim, Uma
Mente Brilhante papou o Oscar em importantes categorias: Melhor Atriz
Coadjuvante para Jennifer Connelly, Melhor Diretor para Ron Howard, Melhor
Roteiro Adaptado e Melhor Filme.
No entanto, esqueça o lobby
e os filmes favoritos. Os grandes vencedores da noite foram os atores negros.
Foi como se a Academia quisesse reconquistar aqueles que, desiludidos com
as últimas premiações, pararam de dar importância.
Os momentos mais comoventes da noite foram graças à homenagem
comovente a Sidney Poitier e, claro, Halle Berry, muito emocionada, recebendo
a estatueta de Melhor Atriz por sua boa performance em A Última
Ceia. Halle roubou a cena da cerimônia, acordou os que já
estavam entediados depois de quase quatro horas de cerimônia e ficou
na história do cinema como a primeira atriz negra a receber um Oscar
de Melhor Atriz. E, se o Oscar concedido a Halle Berry foi uma surpresa,
Denzel Washington sendo premiado por Dia de Treinamento foi maior
ainda. É óbvio que Denzel é um dos mais talentosos
atores de Hollywood, mas não é em Dia de Treinamento
que ele prova isso. Ele está ótimo na pele de um policial
corrupto, mas ficou longe de sua melhor interpretação. Em
Hurricane,
por exemplo, ele estava melhor, definitivamente, e a performance não
lhe rendeu a famigerada estatueta. Mas a Academia estava realmente a fim
de inovar e, mesmo tendo dois deficientes mentais concorrendo à
estatueta, decidiu conceder o prêmio a Denzel.
O Senhor dos Anéis: A Sociedade
do Anel recebeu os prêmios que podia. Definitivamente, a Academia
prefere premiar dramas e, por ser um épico, a adaptação
da história de Tolkien era campeã em indicações
(treze), mas levou apenas os prêmios técnicos, como Trilha
Sonora e Maquiagem. O inovador Moulin Rouge – O Amor em Vermelho
também não papou muitos prêmios. Nicole Kidman, que
era cotada a vencedora por Melhor Atriz, só conseguiu exibir um
sorriso amarelo ao ser anunciado o nome de Halle Berry. O musical de Baz
Luhrman só conseguiu ganhar prêmios óbvios demais,
como Direção de Arte e Figurino. Uma pena. Mais uma prova
de que a Academia pode inovar ao premiar dois atores negros como Melhores
Atores na mesma noite, mas ainda têm preferência por dramas.
Mesmo caso de Renée Zellwegger que, desde o princípio, não
tinha chances. Sim, ela está ótima em O Diário de
Bridget Jones, não canso de dizer isto, mas a Academia simplesmente
não premia atrizes de comédias. E ponto. Tanto que, para
Halle Berry conseguir esta indicação e, conseqüentemente,
este prêmio, teve que fazer um papel dramático e denso.
E, na disputa entre Dreamworks e Disney,
quem saiu ganhando? Dreamworks, disparado. Os filmes da Miramax (Entre
Quatro Paredes, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
e Kate & Leopold, este último ainda inédito no
Brasil) não levaram nenhuma estatueta, e Monstros S.A. perdeu
para Shrek na recém-criada categoria de Melhor Animação.
Sem contar que Uma Mente Brilhante, que teve a Dreamworks como um
dos responsáveis pela distribuição, levou os dois
prêmios principais da noite. Mesmo assim, como um prêmio de
consolação, a Academia não deu o Oscar de Melhor Animação
a Monstros S.A., mas o curta For The Birds, da Pixar (mesma
produtora do filme da Disney) recebeu o prêmio de Melhor Curta de
Animação. E com razão, o curta é lindo e foi
exibido no Brasil junto a Monstros S.A.. Isso sem contar a música
fofa do filme, Ìf I Didn’t Have You, que ganhou o prêmio
em sua categoria.
Como surpresa pouca é bobagem,
o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, que estava entre os dedos de Amélie
Poulain, foi para o bósnio Terra de Ninguém, ganhador
do Globo de Ouro na mesma categoria. É, não adiantou a produção
bem cuidada do francês, nem a mão da Miramax por trás
da campanha. Neste ano o estúdio não teve vez mesmo.
As duas premiações mais
injustas foram as referentes aos roteiros. Uma Mente Brilhante o
Melhor Roteiro Adaptado? Um roteiro adaptado não pode ser escolhido
o melhor quando esconde fatos cruciais da obra, como a homossexualidade
do protagonista. Tudo bem, o biografado pediu para que alguns "detalhes"
não fossem contados no filme, mas se estão no livro é
porque as informações já são públicas.
Adaptar uma obra tão complexa como a de J.R.R. Tolkien foi um trabalho
muito mais complexo e o resultado, muito mais fiel. Mas O Senhor Dos
Anéis: A Sociedade do Anel não levou o prêmio.
Assim como Amnésia, o grande favorito em Roteiro Original,
perdeu para Assassinato em Gosford Park, uma história com
toques de Agatha Christie com tantos personagens que embaralham nossa cabeça.
No mundo do Oscar, definitivamente, nem tudo é perfeito.
A festa da Academia, independente
de suas premiações, teve seus pontos altos. A idéia
de colocar os personagens principais dos filmes concorrentes à Melhor
Animação foi ótima, bem como o sorriso amarelo de
Mike e Sulley ao perderem a estatueta para Shrek. Jimmy Netron,
o terceiro candidato, não tinha chances mesmo. E não é
que Woody Allen topou participar do Oscar, Como um dos cineastas que mais,
e melhor, retratou Nova York, ele não podia faltar à festa,
que homenageou a cidade, vítima de ataques terroristas em 11 de
setembro do ano passado. Depois de faltar à cerimônia em 1977,
quando seu Noivo Neurótico, Noiva Nervosa ganhou a estatueta
por Melhor Filme e Diretor. Allen esnobou a Academia, que nunca mais o
indicou ao prêmio. Agora, nesta noite tão peculiar, ele volta
para homenagear Nova York. Estranho, mas louvável.
E quem não se emocionou com
a homenagem a Sidney Poitier atire a primeira pedra. Ele foi o primeiro
ator negro a ser premiado como Melhor Ator e, por isso, abriu diversas
portas para que os negros pudessem sair do status de empregados que costumavam
ocupar nos filmes de Hollywood e viraram protagonistas. O próprio
Denzel Washington reconheceu, em palco e com a estatueta em mãos,
que Poitier foi um dos responsáveis por sua premiação.
E, se você não ficou tocado com as mensagens de atores negros
em Hollywood para Poitier, não deve ter mantido a frieza ao ver
o pranto sincero de Halle Berry ao receber seu Oscar.
E lá se foi uma das noites
mais aguardadas do mundo cinematográfico. As apostas foram feitas,
os vencedores foram coroados e os resultados devem refletir nas bilheterias.
Mesmo assim, deixadas de lado as cifras movimentadas depois desta noite,
os que mais ganharam foram os atores negros que, depois de 74 anos de Oscar,
tiveram sua importância no mundo do cinema reconhecida. E o Oscar
parece estar voltando a ser a festa do cinema, e não do dinheiro.
Será?
Conheça todos os vencedores
do Oscar 2002:
Melhor Filme - Uma Mente Brilhante
Melhor Diretor - Ron Howard ("Uma
Mente Brilhante")
Melhor Atriz - Halle Berry ("A última
ceia")
Melhor Atriz Coadjuvante - Jennifer
Connelly ("Uma Mente Brilhante")
Melhor Ator - Denzel Washington ("Dia
de Treinamento")
Melhor Ator Coadjuvante - Jim Broadbent
("Iris")
Melhor Filme Estrangeiro - Terra
de Ninguém
Melhor Direção de Arte
- Moulin Rouge
Melhor Montagem - Falcão Negro
em Perigo
Melhor Curta-metragem - The Accountant
Melhor Filme de Animação
- Shrek
Melhor Curta de Animação
- For the Birds
Melhor Figurino - Moulin Rouge
Melhor Edição de Som
- Pearl Harbor
Melhores Efeitos Sonoros - Falcão
Negro em Perigo
Melhor Fotografia - O Senhor dos
Anéis: A Sociedade do Anel
Melhor Maquiagem - O Senhor dos Anéis:
A Sociedade do Anel
Melhor Documentário de Curta-metragem
- Thoth
Melhor Documentário - Murder
on a Sunday Morning
Melhores Efeitos Visuais - O Senhor
dos Anéis: A Sociedade do Anel
Melhor Trilha Sonora - O Senhor dos
Anéis: A Sociedade do Anel
Melhor Música - Monstros S/A
Melhor Roteiro Adaptado - Uma Mente
Brilhante
Melhor Roteiro Original - Assassinato
em Gosford Park
Prêmios e homenagens
Prêmio Gordon E. Sawyer: Edmund
M. Di Giulio
Prêmio Humanitário Jean
Hersholt: Arthur Hiller
Homenagens: Sidney Poitier e Robert
Redford
Resenhas S&Y
Uma mente brilhante
- Brilhante? Não para mim, por Alexandre Petillo
A última ceia
- Belo e difícil, como a vida, por Marcelo Silva Costa
Dia de Treinamento
- Bons atores, filme ruim, por Marcelo Silva Costa
O senhor dos
anéis - Grandioso, por Angélica Bito
Moulin Rouge
- Nunca se apaixone, por Marcelo Silva Costa
Entre Quatro
Paredes - O peso do silêncio, por Márcio
Souza
O Fabuloso Destino
de Amélie Poulain - Adorável, doce e universal,
por Renata Cássia
Shrek - Conto
de fadas, por Angélica Bito
Amnésia -
Acredite
em mim, não confie em ninguém, por Juliano Costa
Falcão Negro
em Perigo - Heróis mesmo no fracasso, por Silvia
C. Almeida
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