Minority
Report - A Nova Lei
por
Marcelo Costa
Stanley
Kubrick vive. Ou melhor, tomou o corpo do amigo Steven Spilberg.
É mais ou menos essa a impressão que fica ao espectador
após os 93 minutos do quase sensacional Minority Report,
que no Brasil ganhou o subtítulo A Nova Lei. O
filme traz Tom Cruise à frente de uma história
de ficção cientifica inspirada em nada mais nada
menos que um livro de Philip K. Dick, o mesmo de Blade Runner
– Caçador de Andróides.
Primeiro a história, sensacional. Estamos no futuro,
Washington, EUA, 2054. Seis anos antes, frente a onda de crimes
que assolava o Estado, um novo programa policial é posto
em prática. O "Pré-Crime" tem como mote principal
prever o acontecimento de um crime e prender e punir o culpado
antes do crime ser cometido. A previsão surge amparada
em "Pre-Cogs", três paranormais cujas visões dos
assassinatos servem como provas para a condenação
dos "quase" assassinatos.
A frente do programa, John Anderton (Tom Cruise), um policial
dedicado mas com vários problemas pessoais decorrentes
da perda de seu filho, anos antes. Anderton acredita que o "Pré-Crime"
é o sistema perfeito e que tragédias como a acontecida
com seu filho deixaram de ocorrer. Como líder da unidade,
o policial é o primeiro a ver as imagens na câmara
de suspensão onde os três paranormais sonham com
os assassinatos. Montando a cena do crime como uma quebra cabeça,
Anderton é ágil e salva vidas. O grande problema
surge quando o policial reconhece seu próprio rosto em
um futuro assassinato e descobre que ele vai matar um estranho
em menos de 36 horas. Absurdo genial.
Para filmar essa história maluca, Spilberg, um dos mais
fantasiosos diretores do cinema pipocão (os inesquecíveis
ET e Caçadores da Arca Perdida são
exemplos), travestiu-se de Stanley Kubrick e o resultado soa
acachapante, senão de todo, pelo menos em sua quase totalidade.
Minority Report incomoda como costumava acontecer com
os filmes de Kubrick. Só não chega a angustiar
porque Spilberg não meteu a mão na trilha sonora
buscando os semitons ou as grandes orquestrações,
"detalhes" que pareciam pegar o espectador pela garganta e sufocar
nos filmes de Kubrick. De resto, é tudo kubrickianismos.
A cena inicial, em que a câmera foca apenas imagens de
um assassinato se sobrepondo, incomoda. Depois, quando logo
em seguida vemos a maneira como Anderton "lê" as mensagens,
dispensando umas e buscando outras com gestos manuais bruscos,
estamos no universo abrupto e realista do diretor de 2001,
Laranja Mecânica, Lolita e O Iluminado, entre
outros. Autovias, drogas, piadas com olhos decepados, aranhas
mecânicas auto-suficientes, computadores transparentes,
matinais animados, tudo é mais Kubrick que Spilberg.
E é tudo de um incomodo tão grande que se a rotação
não fosse acelerada como é, provavelmente muita
gente deixaria o cinema antes do final do filme.
É claro que essa opção por filmar a lá
Kubrick abre margem para várias especulações,
muito embora o que importe mesmo é que ali, sentado em
frente a tela, o filme funciona a excelência. É
ficção ciêntifica das boas. Aventura também.
E suspense. Assim como está um passo a frente do projeto
Inteligência
Artificial, olhando pela ótica de Tom Cruise,
Minority Report é um Vanilla
Sky que deu certo. Como prêmio, Cameron Diaz e
Cameron Crowe fazem uma pontinha no filme (fique atento a cena
do metrô, caro leitor).
Ok, você quer que eu explique porque o "quase sensacional"
do primeiro parágrafo, certo? Bem, que Kubrick tomou
o corpo de Spilberg nas filmagens de Minority Report
é certo. Mas o primeiro não possuiu em totalidade
os pensamentos do segundo. Essa mistura, que é percebida
claramente em uma visão ultra detalhada da obra, é
o grande trunfo do filme.
O senão é que ali, quando o filme está
para acabar, Spilberg toma a frente de seu próprio corpo
e quase põe tudo a perder. A tensão de uma repetição
do drama final de Inteligência Artificial dura
não mais que sete minutos e o espectador pode ir aliviado
para casa. Mas que ele poderia ter acabado um pouquinho antes,
podia, e assim seria sensacional. Claro que para ser um Kubrick
total, não teríamos o final que tem. Mas o filme
é de Steven Spilberg, certo. E essa coisa de mortos possuírem
o corpo dos vivos é uma tremenda besteira. Esqueça
tudo isso, divirta-se com o filme e atente-se aos detalhes.
Valem a pena.
Só não esqueça: Stanley Kubrick vive.
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