"Lúcia e o Sexo"
por Marcelo Costa
Fotos - Divulgação

maccosta@hotmail.com
10/08/2002

O primeiro contato que temos com Lúcia e o Sexo é debaixo das águas, um oceano azul claríssimo que ambientará, mais para frente, o acaso que, sob a lua cheia, será o grande responsável por todas as histórias do filme. A camêra sai da água e temos, então, a paisagem bela e sublime de um oceano azul. Corte.

Lúcia (a bela Paz Vega) está ao telefone tentando reconciliar-se com seu namorado, Lorenzo (Tristan Ulloa). Porém, o sujeito carrega em sua voz ao telefone uma carga emocional depressiva que aceita todas as acusações que a namorada havia feito. "Você está certa, Lúcia", finaliza Lorenzo.

A garota, porém, apaixonada e disposta a perdoar eternamente, volta para casa após o trabalho pensando em conversar e acertar as coisas com o parceiro. Bobagem. Lúcia encontra a casa vazia, um bilhete que finaliza com um "não me espere, talvez eu não volte nunca mais" e, logo em seguida, recebe um telefonema avisando de um acidente com Lorenzo. Lúcia desliga o telefone no meio da ligação, junta algumas roupas e parte em busca das peças que faltaram no quebra-cabeças do amor de sua vida.

Ao apoiar-se no drama romântico com toques astrais (lua e sol são constantemente citadas durante o filme), o diretor Julio Medem vasculha acasos, destinos e declarações de amor com uma lucidez impressionante. O primeiro detalhe que salta é a desconstrução do roteiro. A história surge fragmentada e vai sendo contada como o acaso pede: de uma declaração de amor incrivel em um bar tudo retorna a uma transa inesquecível dentro do Meditarrêno azul e parte para o recurso ambivalente das escolhas que o amor proporciona em horas, muitas vezes, erradas. No fim, contudo, percebemos que a história é circular. Ela começa aqui e retona ao mesmo ponto, porém, com um diferencial: a tristeza transforma-se em felicidade.

Essa idéia de retrocesso parece ser o grande trunfo da obra, e já marcava o cult Os Amantes do Círculo Polar desde o título. Em Lúcia e o Sexo, Lorenzo é um escritor cujos personagens são alter-egos. Lúcia era uma fã. O universo dos dois se expandiu nas páginas de um livro antes mesmo deles se conhecerem. Porém, o que separa o mundo real do imaginário? O que faz com que a vida não tenha tanta mágia (apesar da felicidade reinante nas cenas do casal) e o sonho as tenha de sobra (no livro que está sendo escrito, as paisagens de Lorenzo remontam ao episódio "transa inesquecível dentro do Meditarrêno azul")?

Mais do que qualquer coisa, Medem usa o sexo (quase) explicito para construir uma fábula poética de amor, perda e reencontro. As cenas calientes são de deixar o espectador sem fôlego, porém, quando as luzes da sala acendem, o que fica é a esperança que a vida nos dá, sempre, uma segunda chance (explorada no filme por um buraco que, em plena praia, leva o individuo a uma gruta simbolizando assim um reiincio).

A parte, Medem não permite ao espectador fugir do mundo real. Em seu baralho de tarô misturam-se filhas que se apaixonam por padrastos, mortes terríveis, sinalização de sexo com animais, masturbação, bate papo de Internet, loucuras. E, por mais que as palavras da frase anterior assustem, o resultado é arrebatador e plenamente justificável.

Trafegando com habilidade entre os signos vida/morte, sol/lua, mar/terra, amor/sexo, Lúcia e o Sexo finaliza esperançoso. Buscando uma das frases ambiguas de Lúcia quando ao orgasmo, "Eu vou morrer de tanto amor", o renascimento surge, quase sempre entre sorrisos. E a vida segue, como uma onda no mar.