"25ª
Mostra de Cinema de São Paulo"
História Real (The
straight story, 1999)
Diretor: David Linch
Elenco: Richard Farnsworth,
Sissy Spacek, Harry Dean Stanton
111 minutos
O humanismo
de David Lynch
por Natasja
Berzoini
O olhar vertiginoso de David Lynch na
direção do longa The straight story é quase
imperceptível, se não totalmente. O cineasta reconhecido
pela crítica por filmes como Veludo azul, Coração
selvagem e O homem elefante abandona seus
personagens bizarros e se encanta
por uma história real, revelando um cinema repleto de sensibilidade
e simplicidade.
David Lynch não muda, ao menos
conscientemente, de estilo, mas foi atingido em cheio por uma história
que mostra uma visão mais humana da América. Renuncia a temática
da violência, do obscurantismo, da subversão para nos fascinar
com
cenas bucólicas desprovidas
de qualquer situação bizarra. Lynch tenta esclarecer: "A
violência se transformou numa coisa tão absurda que você
nem mais a teme. Vivemos numa espécie de estado de dormência."
O título – The straight
story – permite três interpretações: o filme
conta a história de Alvin Straight; 'straight' também significa
real, o filme é baseado numa uma história real e, por último,
'straight' significa honesto, franco e o filme narra a história
de modo sincero, espontâneo e despretensioso.
Lynch, com simplicidade e pureza,
narra a história de um senhor de 73 anos, Alvin Straight (Richard
Farnsworth, excelente), que mora com a filha Rose (Sissy Spacek) no estado
de Iowa, meio-oeste dos Estados Unidos. Ao saber que seu irmão mais
novo, Lyle (Harry Dean Stanton de Paris, Texas, Wim Wenders), que não
revê há 10 anos sofreu um derrame, Alvin reflete sobre o passado
e decide que é hora de visitar o irmão, que mora em Winscosin,
e com ele reconciliar-se. Porém, há alguns obstáculos
a serem superados: alguns problemas de saúde e pouco dinheiro.
Mas, Alvin não se deixa vencer facilmente, é teimoso demais
para isso. Resolve partir para a estrada em um mini-trator de cortar grama,
rebocando um trailer com comida, cobertores, gasolina.
Durante a odisséia que dura
seis semanas e 550 quilômetros, Alvin encontra algumas adversidades,
mas não desiste. Ele cruza com pessoas na estrada e acaba mudando
suas vidas de alguma forma como exemplo de obstinação e coragem.
As linhas desgastadas da estrada revelam
um homem cansado, mas ainda firme e determinado, que no final de sua vida
quer fazer as pazes com o irmão e ficar em paz consigo mesmo. É
uma jornada pessoal que nos leva ao coração da América
e explora a bondade e a generosidade presentes na cultura rural como virtudes
esquecidas nos grandes centros urbanos. Em todo o seu trajeto, Alvin só
encontra pessoas gentis e bondosas dispostas a ajudá-lo.
Lynch narra a história de Alvin
de uma forma linear, não-fragmentária, num tom idílico,
emocional, sem qualquer traço obscuro, caráter surrealista
e onírico.
David Lynch assombrou a crítica
e o público com um filme puro e afetivo. Será que ele está
ficando otimista? Segundo ele, "não há uma fórmula
a ser seguida. Cada história dialoga com você e oferece pistas
de como ela deve ser desenvolvida na tela."
Cada história exige do diretor
um tipo de interpretação. Como subverter uma história
rural sobre um velhinho numa jornada pelo interior dos Estados Unidos?
Polêmicas à parte, mesmo
porque não há como saber qual caminho David Lynch irá
traçar no cinema, The straight story é um filme inesquecível
que revela o melhor do cineasta. É tocante, é afetivo, é
pessoal, é intimista, é intenso, é eloqüente
e vai contra tudo o que Lynch já filmou até hoje. Esta é
a melhor parte, em que um cineasta se revela aberto à mudanças
e à novas concepções depois de 30 anos de cinema,
reconhecido por um estilo único e indefectível. The straight
story permitiu-me uma transcendência que há tempos não
sentia no cinema. Descobri um novo cineasta, lírico e autêntico,
capaz de seduzir com uma história simples, atuações
comoventes e cenas memoráveis. O que esperar, agora, de David Lynch?
Comentários
de David Lynch retirados da entrevista publicada na revista Veredas (Ano
5 – n.º 60) em dezembro de 2000.
Irmão
é irmão
por
Angélica Bito
Na primeira sessão do novo
e esperado longa de David Linch na Mostra BR de Cinema, em São Paulo,
o cinema estava lotado. Pessoas se acotovelavam no chão, já
que todas as poltronas estavam preenchidas, para assistir a História
Real. O filme conta a história de Alvin Straight, um velho teimoso
de 73 anos. Debilitado fisicamente - mal consegue ficar de pé com
duas muletas -, Straight parte para uma longa viagem a fim de reencontrar
o irmão, Lyle.
Quando descobre que Lyle havia sofrido
um derrame, Alvin percebe que esta poderia ser a última oportunidade
de se reconciliar com o irmão. Porém, dois estados americanos
separam os irmãos Straight, o que não parece ser problema
para Alvin. Levado por um cortador de gramas, ele segue sua viagem rumo
à casa de Lyle.
Ao longo do caminho, que durou mais
de seis semanas para ser atravessado, Alvin ensina diversas lições
de vidas a quem encontra no caminho e a quem assiste ao filme. Experiente,
Alvin aprendeu, e ensina, que a família é algo que não
pode ser quebrado ou desunido. Afinal, são esses os laços
que nunca são partidos, não importa o que aconteça.
Por isso, parte em busca do reencontro com o irmão com quem havia
brigado no passado.
A falta de dinheiro, de saúde
ou o perigo da viagem não são empecilhos para Alvin. Como
um canto do cisne, ele precisava voltar a conversar com o irmão,
nem que fosse a última coisa que ambos fariam.
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