"Heróis
mesmo no fracasso"
Por
Silvia C. Almeida
Enquanto filmes como Efeito
Colateral ficaram "na geladeira' por causa da coincidência temática
com os incidentes de 11 de setembro, outros tiveram sua estréia
antes da data prevista. É o caso deste Falcão Negro em
Perigo (Black Hawk Down), o mais recente longa do diretor Ridley Scott,
de Gladiador e Blade Runner, baseado no livro
de Mark Bowden que conta a história real de uma desastrosa operação
militar dos Estados Unidos na capital da Somália, Mogadíscio,
em 1993.
O filme deveria estrear somente em
março nos EUA, mas teve o seu lançamento antecipado para
janeiro e já conquistou por três semanas consecutivas o primeiro
lugar nas bilheterias americanas. Tal resultado já era de se esperar
das patrióticas terras do Tio Sam, que mesmo diante do fracasso
na Somália, têm ainda assim algum motivo para se orgulhar.
Falcão Negro em Perigo
também concorre ao Oscar 2002 em quatro categorias: direção,
fotografia, edição e som.
A missão dos Estados Unidos
na Somália começou no dia 3 de outubro de 1993 e deveria
durar apenas 60 minutos, mas acabou se estendendo para quase um dia todo.
A pedido da ONU, os americanos buscavam aprisionar dois influentes tenentes
subordinados ao líder da região, Mohammed Farrah Aidid, como
forma de abrandar a guerra civil e a fome que assolavam o país.
O plano não só deu errado, como também resultou em
18 soldados americanos mortos, 73 feridos e dois helicópteros do
modelo Falcão Negro (Black Hawn) abatidos (daí vem o título).
Antes mesmo de o conflito começar,
o General William F. Garrisson (Sam Shepard) diz: "Não é
uma guerra. É um genocídio". E logo sabemos que ele está
certo. As 18 horas do combate foram resumidas em 143 minutos de um cansativo
filme de cenas fortes, massacres, balas e explosões por todos os
lados, e sangue, muito sangue. Os magros e sujos somalis, mesmo sem farda,
combatem os jovens, bonitos e preparados soldados Rangers e Deltas com
todo o fervor. Mulheres e crianças de Mogadíscio também
seguram armas, avisando aos inimigos que ali ninguém é inocente,
todos estão para lutar.
É praticamente um clichê
dizer que todo filme de guerra é pura patriotada, mas nos casos
das produções americanas, não dá pra fugir
disso. Tudo bem que o longa foi muito bem feito, que a fotografia está
impecável, que a parceria entre Ridley Scott e o produtor Jerry
Bruckheimer (de Armageddon e Pearl Harbor) deu certo, que a história
é sobre um desastre militar dos americanos, mas de que adianta tudo
isso se no final eles ainda saem como verdadeiros heróis?
Os atores que representam os soldados
têm pouca significância diante da história. Você
provavelmente fará confusão entre os personagens. O novo
astro de Hollywood, Josh Hartnett, de Pearl Harbor, interpreta talvez a
figura mais representativa ou menos insignificante do longa, o idealista
Sargento Ranger Matt Eversmann. Ewan McGregor, do maravilhoso e polêmico
Trainspotting – Sem Limites, passa quase despercebido em Falcão
Negro no papel do Especialista Ranger Grimes. A história também
tem destaque ao ser contada por uma série de letreiros no início
e no final do filme, mas durante, só há um ou dois diálogos
se referindo à guerra civil que arruinava a Somália.
O lema dos soldados Rangers é:
"Nenhum homem será deixado para trás", e mesmo invadindo
a terra alheia, eles são os mocinhos deste combate. O ponto de vista
do filme é desses guerrilheiros. Então, prepare-se para se
deparar com cenas rotineiras de homens agarrados aos retratos de suas famílias
nos momentos de perigo e de médicos tentando ressuscitar um Ranger,
enquanto outro diz "Doutor, doutor, deixe, ele está morto. Não
há mais nada que você possa fazer".
Depois de tanto sangue derramado,
chega o tão esperado fim. Ora, ora, não é que mesmo
perdendo, os americanos são recebidos com sorrisos pelas crianças
e demais somalis? O mais risível é o copo d’água oferecido
(pelos inimigos) a cada um dos Rangers e Deltas sobreviventes da batalha.
A missão pode ter sido um fracasso, mas segundo a história,
centenas de somalis perderam as suas vidas nesse confronto (contra apenas
18 americanos). Neste caso, os EUA ganharam.
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