'Corpo
Fechado'
por
hugo
O
diretor M. Night Shyamalan ataca de novo. Com Bruce Willis vivendo
um personagem atormentado, novamente. Com um garoto que precisa
de convencê-lo de algo, outra vez. Sendo esse "algo", uma
história inacreditável, é óbvio. Ou
seja, um filme tão cheio de novidades quanto um cd do Motörhead,
e claro, tão bom quanto. Nesse segundo filme, que não
é tão "pop" quanto O Sexto Sentido (e, não,
não tem um final que seja tão surpreendente quanto
o primeiro), Shyamalan revela-se não só um diretor,
mas um autor (já que também é o roteirista
do filme) que possui algo a dizer.
E
acima de tudo, a maneira como diz, é interessante. Usando
e abusando de câmeras subjetivas na narração,
ele brinca tanto com o espectador quanto com os personagens; como
na seqüência inicial do filme, quando assistimos ao
diálogo dos personagens pelo vão das poltronas do
trem e através dos olhos de uma criança, ou quando
David Dunn (Bruce Willis) tem as suas "visões" e nós
as vemos pelos seus olhos, de cima, como se fôssemos Deus
ou um super-homem acima da humanidade. E, aliás, é
sobre isso, você já deve saber, que fala o filme:
sobre o quanto um ser humano pode ser especial ou "super". E como
sempre, brincando com a criança que há em nós,
Shyamalan nos pede para acreditar em coisas inacreditáveis.
Mas a forma como somos apresentados à esta história,
também é parte fundamental do truque.
Shyamalan
já foi comparado a Alfred Hitchcock, entre outras coias,
devido ao seu hábito de fazer pontas em seus filmes (ele
foi um médico em O Sexto Sentido e é um suspeito
de tráfico em Corpo Fechado), mas as semelhanças
param aí. O conhecimento total do espectador sobre tudo
o que acontecia na tela era ingrediente essencial do suspense
de Hitchcock, ao contrário do que acontece com Shyamalan
que se assemelha mais à Agatha Cristhie, escondendo tudo
até o final quando a verdade é revelada.
Mas
às vezes, como aqui, nem isso é permitido. Samuel
L. Jackson é Elijah Price, que sofre de uma doença
que lhe enfraquece sobremaneira os ossos do seu corpo, quebrando-os
muito facilmente. Por não poder levar uma vida totalmente
normal, e pelo grande tempo que passa internado em hospitais,
Elijah dedica-se à leitura de histórias em quadrinhos
a ponto de transformar-se em um especialista e estudioso do tema.
E a sua principal conclusão é a de que a existência
de super-heróis não só é possível
como as histórias sobre eles contadas são baseadas
em seres especiais que realmente existiram. Partindo do pressuposto
de que, se é possível a existência de alguém
muito frágil, também é possível a
existência de alguém muito resistente, ele dedica-se
a procurar esse alguém, que em sua visão, é
essencial existir nos tempos medíocres em que vivemos.
E esse "ser especial", claro, é Bruce Willis, o único
sobrevivente ileso de um grande desastre de trem.
A
forma como o mundo das histórias em quadrinhos é
explorado no filme, aliás, merece um comentário
à parte. Grande fã de gibis de super-heróis,
Shyamalan espalhou várias homenagens a diversos personagens,
e encontrá-las é uma diversão especial e
curiosa para quem se prestar a isso. Desde as iniciais do personagem
principal (DD, como Dare Devil, um dos heróis preferidos
do diretor), até o final muito parecido com o final da
Grapich Novel do Surfista Prateado escrita por Stan Lee e desenhada
por Moebius (o que, aliás, pode ajudar a desvendar o papel
de cada personagem no filme), passando por uma seqüência
em uma estação de trens que lembra muito algo idêntico
no recente filme dos X-Men, o filme está coalhada
delas.
É
divertido, aliás, experimentar a sensação
de se ver em seu meio ideal, quadrinhos que sempre tiveram como
características principais, a narração cinematográfica.
O filme todo, tem o mesmo "ar" de realismo (super) fantástico
de Watchmen, por exemplo, e a seqüência em que David
Dunn entra em ação para um resgate, é Frank
Miller puro, alternando Demolidor e O Cavaleiro das
Trevas.
Mas
como dito antes, nem tudo fica claro no final do filme. Não
fica óbvio quem está certo ou quem está errado.
E essa dualidade deixa tudo mais interessante (e ao mesmo tempo
difícil de ser discutida aqui, pelo risco de se entregar
o final), pois o fato é que coisas incríveis aconteceram.
E se isso aconteceu devido ao potencial de ser "super" que cada
pessoa carrega em si; ou se, ao contrário, só foi
possível devido à fé que se pode ter em si
mesmo, e no que somos capazes, pouco importa e essa é a
mensagem otimista e algo ingênua do filme.
hugo
( hugolt@hotmail.com
) colabora com este site e ficou feliz em saber que a sua coleção
de gibis é quase o triplo da média americana.
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