Coisas que você pode dizer só de olhar para ela 
por Marcelo Silva Costa

O título provoca, logo de início: Coisas que você pode dizer só de olhar para ela (Things You Can Tell Just By Looking at Her). Há um q de enigmático, de misterioso e de poético. Ela, na verdade, são elas. E são muitas. E elas se esbarram aqui e ali, na história (a famosa trama circular). 

Uma médica que consulta uma vidente. Uma cega que dá aulas à crianças cegas e sai com o pai de uma de suas alunas. Uma gerente de banco linda e grávida. Uma escritora de livros infantis que se sente atraída por seu novo vizinho. Uma detetive, uma mendiga, uma suícida. Juntando tudo isso em um belíssimo roteiro, Rodrigo Garcia faz de seu filme de estréia uma obra de poesia e lirismo.  É como se fosse um Magnólia, mas sem a falta de perdão característica aos personagens daquele.

Aqui, Glenn Close é a Dra. Elaine Keener. Olhando para ela vemos inquietação. Podemos ver muito mais coisas, mas é melhor que deixemos que as cartas nos digam mais. As cartas são lidas pela vidente Christine (Ally McBeal ou melhor, Calista Flockhart). Christine é uma vidente dessas que você encontra na rua oferecendo-se para ler sua mão. Cuidado, ela pode saber muita coisa sobre você só de olhar... para as cartas. 

Christine ama uma garota. Ela mora com essa garota. E essa garota, Lily (Valeria Golino), está doente, muito doente, podemos ver só de olhar pra ela: melancolia em estado bruto. Christine sabe dizer muita coisa sobre os problemas dos outros, mas embaralha-se com os seus como as cartas que ela tão bem lê. 

A gerente de banco Rebecca (Holly Hunter) não está doente, está... grávida. Se a gente olhar pra ela talvez não possamos dizer que ela esteja grávida, mas podemos dizer, assim como os funcionários do banco dizem entre si, que ela está muito gostosa – e ela está muito gostosa. Paixão e solidão andam de mãos dadas. Uma mendiga (Roma Maffia) se aproxima, pede um cigarro, ganha, e retribui com insultos. O humor delicado corta e o sangue escorre levando uma vida embora. 

O sangue escorre mas Carol não vê, ela é cega. Depois do papel de baranga que ganhou no sensacional Eu quero ser John Malkovich, Cameron Diaz aparece sem maquiagem, sem olhar para a câmera, exercitando o humor ácido de sua Carol, com os olhos escondidos, um doce desperdício. Carol é uma professora de linguagem braile, mas Carol é Cameron Diaz, entende, então ela tem programa para hoje. E amanhã? Bem, amanhã é outro dia, sempre. Você quer respostas, certo. Não há. Basta você olhar para ela...

E assim, destilando poesia e lirismo, o filme segue entre escritoras de livros infantis que se apaixonam por anões e detetives tentando entender suícidios. 

Inevitável não querer procurar no sangue do diretor algo que nos explique essa beleza de imagens. Rodrigo Garcia é filho do escritor Gabriel Garcia Marques. Sobrenome não garante talento, é certo, e não dá pra sair por aí dizendo que Coisas que você pode dizer só de olhar para ela é um filme sensacional. Não é. É simples e belo. É apenas uma visão poética e lírica da história destas mulheres, mulheres que você pode dizer muita coisa só de olhar. E só por isso já basta a entrada. 
 

Atrás de cada porta, em cada janela, por trás de cada rosto, há uma história que vale a pena ser contada — tão ampla, interessante e apaixonante como achamos que são as nossas próprias histórias. -- Rodrigo Garcia