Uma
Vaca no Telhado da Estética Coen.
por
hugo
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No
flagrante acima, vemos (da direita para a esquerda) o nosso herói
Ullisses |
(caminhando
para o centro) ainda acorrentado aos seus habituais aliados |
(PC
do B e PSTU), num momento em que ainda era mais livre do que imaginava. |
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Ok, vamos ser francos:
faz tempo que os irmãos Coen estão devendo um filme bom de
verdade.
Tudo bem, Fargo foi legal, mas desde
quando eles "apareceram", com A Roda da Fortuna, que eles estão
vivendo de crédito, comprando fiado.
Mas, belesma, é aquela velha
história: um Coen fora de forma, é melhor do que dez (complete
aqui com o nome de qualquer diretor badalado que tenha aparecido depois
de Tarantino. Se você conseguir se lembrar de alguém, claro)
na ponta dos cascos, mas ... há um "porém".
E com isso, quero dizer que o filme,
como sempre, é uma boa distração, é conduzido
de maneira leve e agradável, tem o toque de "fantástico"
que eles sempre dão às suas histórias e tudo mais;
mas tem também algo imperdoável, algo que eu considero uma
verdadeira traição. |
Quase sempre, os protagonistas dos filmes
de Coen são simpáticos anti-heróis, que lutam por
algo fora do covencional, em que só eles acreditam. Podem ser ingênuos
sonhadores como o Barnes de A Roda da Fortuna, ou personagens que não
se encaixam no ambiente em que vivem, que não são aceitos
como são, e que por isso, procuram uma alternativa ao que os oprime
(como Jeff Lebowski o hippie velho de O Grande Lebowski, que só
queria ser deixado em paz). Às vezes, até não têm
uma aspiração ou motivação nobre, como Lundegaard
em Fargo, mas esse era tão idiota e atrapalhado, que até
despertava um certa simpatia.
Mas, aqui, o caso é diferente.
Ullisses (é, o da Odisséia mesmo. Isso é deixado bem
claro, mas esqueça, não vale a pena ficar procurando os paralelos
- que existem - com a obra de Homero) é um presidiário
que convence dois companheiros a fugir com ele (já que os três
estão acorrentados), prometendo levá-los a um tesouro que
escondeu antes de ser preso.
E nessa "odisséia" em busca
do tal tesouro, eles viverão muitas aventuras, inclusive, encontrando
algumas "personalidades" da época (esqueci de dizer que estamos
nos anos 30, em plena recessão americana, e isso será importante
na história), como o gângster 'Babyface' Nelson, o simpático
pessoal da Ku Klux Klan e um tal de 'Tommy' Johnson (um bluesman que vendeu
a alma ao diabo em uma encruzilhada, e que por isso, esmerilha no violão),
que formará com eles, o grupo musical Os Fundilhos Encharcados (reza
a lenda que não houve dublagem, todos os três cantaram de
verdade). Aliás, um destaque do filme, é a gostosa trilha
sonora, com blues e country & werstens da época (que fora a
KKK, é o maior tema racista tratado: música negra X música
branca. Se fosse tão simples ... quer dizer, sabemos que dali a
alguns anos, os dois estilos se fundiriam para dar origem ao rock'n roll,
enquanto o racismo ...).
Mas Ullisses (George Clooney, que
aliás, está excelente! Se você o viu Mar em Fúria,
vai concordar que o rapaz é bom mesmo, um curinga que joga nas onze,
e bate um bolão em qualquer gramado) não está muito
preocupado com nada disso, e sim, em voltar às boas com a sua esposa,
que o abandonou depois da sua prisão, e está para se casar
com outro, que é um mauricinho que pode dar a ela toda a segurança,
conforto e proteção que Ullisses não pode dar (viu?
Não disse que o fator econômico seria importante?), e que
o obriga a mudar e ser como ela quer.
E é aqui que a porca torce
o rabo: Ullisses, apesar de não poder ser considerado o anti-herói
típico dos Coen (que, geralmente, são uns mané), -
por ser super-malandrão (se bem que por vezes, seja passado para
trás), sem escrúpulos (trapaceia e rouba até um cego),
adepto do "jeitinho" brasileiro e da Lei de Gérson; mas que ao mesmo
tempo é simpático, de boa lábia, generoso e leal com
quem considera que merece a sua generosidade e lealdade - , não
deveria ceder a este tipo de pressão.
Mas ele cede. Cede e faz de tudo para
provar que ele pode se encaixar no que ela quer, contrariando a sua natureza.
E é aí que está o pecado maior, a traição:
ele contraria a sua natureza.
Ullisses só queria viver com
a sua família, aplicando os seus golpes em paz. E por ela, ele tem
que renunciar a isso, à sua alma de trambiqueiro, para se transformar
em alguém respeitável.
Adianto que, contando com uma pequena
ajuda dos seus amigos, ele consegue e o filme tem um final feliz (ah, vá
... até parece que eu estraguei alguma surpresa!), mas o importante
é outra coisa.
O Marcelo Coelho, na Folha de S.
Paulo, citou antigos filmes dos anos 70 (de um movimento de vanguarda anti-sistema),
que sempre terminavam com explosões - simbolizando a destruição
de
tudo aquilo que eles combatiam - para comparar com algo similar que acontece
no final do filme (mas não digo o que é. Dessa vez não
vou estragar o suspense). Mas eu acho que não. Pelo contrário:
aquilo pode até simbolizar a destruição do passado
de Ullisses, sim, mas para escrever por cima algo convencional e quadrado,
limpo e certinho.
E é isso que magoa: o personagem
mais esperto dos irmãos Coen, revelou-se o mais pragmático
e menos sonhador.
Eu tinha esperanças que as
coisas pudessem ser diferentes, mas talvez isso seja verdade, talvez a
vida seja assim mesmo. Talvez, para se conseguir o que se quer, uma aproximação
com o PSDB seja mesmo necessária.
Mas, se é assim, se os fins
justificam os meios, como ficam os princípios?
hugo
( hugolt@hotmail.com ) colabora
com este zine e não tem nada contra quem vende a sua alma ao diabo
(desde que seja para esmerilhar no violão e não para conseguir
uma tonalidade mais cor-de-rosa, pois isto é uma coisa muito feia.
E ele não está falando da cor.). |