'Inteligência
Artificial'
por
Marcelo Costa
Eu
costumo dizer que a melhor coisa que o movimento punk fez pela
humanidade (mais pelos jovens, ok) foi massacrar o movimento
de ídolos que era a música pop pré-punk
dizendo que qualquer um, qualquer pessoa, poderia ser um astro.
A
premissa é válida, afinal, somos todos seres-humanos
rindo nas alegrias e chorando nas tristezas. Mesmo assim, inevitavelmente,
há um certo grupo de pessoas que (pela história
de vida ou sorte divina, tanto faz) está sintomaticamente
à frente dos outros seres, claro, na área em que
atuam.
Assim
é Salman Rushdie na literatura, assim é Thom Yorke
na música, assim era Stanley Kubrick no cinema.
O
clubinho de filmes clássicos tem várias obras
do cineasta nova-iorquino, falecido dois anos atrás.
Sua bagagem cinematográfica é esplendorosa (Spartacus
– Lolita – 2001 – Laranja Mecânica
– Nascido para Matar) e seu estilo, inconfundível.
Qualquer de seus filmes não são de fácil
digestão.
Kubrick
manteve a idéia de filmar Inteligência Artificial
por quase 20 anos. A idéia surgiu de um conto de Brian
Aldiss (Superbrinquedos Duram o Verão Todo) e
o cineasta chegou a testar robôs (sem conseguir sucesso)
em tentativas de filmagem. O tempo foi passando e, após
assistir Parque dos Dinossauros, Kubrick viu em Steven
Spilberg (outro gênio?) a pessoa capaz de conduzir o projeto,
devido a sua familiaridade com efeitos especiais.
Spilberg
chegou a mexer no projeto, mas o devolveu a Kubrick dizendo
que ele quem deveria dirigi-lo. Kubrick, então, planejou
a pré-produção para começar após
a finalização de De olhos
bem fechados, filme com Tom Cruise e Nicole Kidman no
elenco. Nem esse Kubrick terminou direito. Faleceu no dia em
que os executivos recebiam a cópia original do filme
(e ele costumava mexer muito em seus filmes antes que eles chegassem
ao público).
Com
a morte de Kubrick, Spilberg tomou a frente do projeto, recrutou
Haley Joel Osment (o garoto do sensacional Sexto Sentido)
para o papel principal e finalizou o sonho kubrikiano. O resultado?
Impossível fugir do clichê: o melhor filme do ano
com o pior final do ano. Inteligência Artificial
é, como todo filme de Kubrick, perturbador. Inteligência
Artificial é, como todo filme de Spilberg, um conto
de fadas.
Spilberg
filmou com cuidado, delicadeza e, até mesmo, reverência.
A história se passa na metade do século XXI. O
efeito estufa derreteu uma grande parte do gelo dos pólos
da Terra e algumas das cidades litorâneas do planeta ficaram
submersas (é linda a imagem de Nova York sob as águas).
Os
AI (computadores independentes com inteligência artificial)
auxiliam a humanidade na luta contra os desastres ambientais.
São robôs cada vez mais evoluídos. Um professor
(William Hurt) quer dar a esses robôs uma nova capacidade:
a de amar. Assim nasce o garoto robô David Swinton (Haley
Joel Osment) que, como Pinóquio, irá querer se
transformar em ser humano.
Spilberg
desenvolve a trama com genialidade dolorida. O filme caminha
para ser uma obra prima quando... bem, quando Spilberg joga
tudo que filmou no fundo do oceano e sai de lá com um
final completamente anticlímax. É perceptível
o momento em que o filme deveria acabar. Está ali, só
faltam subir os créditos. Mas os créditos não
surgem, dando lugar a mais meia-hora de conto de fadas a lá
E.T.
Faltou
alguém na equipe de produção que chegasse
no gênio, batesse em suas mãos e dissesse: PARA!
Ele não parou, e o filme que tinha tudo para ser histórico,
acaba sendo apenas um bom filme com péssimo final. Saber
a hora de parar é uma virtude, diz o ditado. O gênio
Spilberg, não soube.
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