Uma noite rock and roll em Juiz de Fora
Apesar do inconfundível sotaque mineiro, Juiz de Fora é quase Rio de Janeiro. Isso fica perceptível quando se abre o caderno de esportes do Tribuna de Minas, o maior jornal da cidade, e a última página é dividida em quatro blocos: Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. Um dia antes, o caderno de cultura destacava a ida deste que vos escreve à cidade classificando-me como “uma das maiores autoridades em cultura pop na internet”. O título é exagerado, mas agradeço o deferimento.
Juiz de Fora tem 525 mil habitantes, seis faculdades (uma delas federal) e fica na Zona da Mata. Chegou a ser conhecida como a Manchester Mineira, não por bandas equivalentes a Smiths e New Order, mas por seu pioneirismo na industrialização. Para chegar à cidade, vindo de São Paulo, se pega a Via Dutra em direção ao Rio, e segue-se beliscando Volta Redonda. Ou encara-se um vôo no avião de médio-porte ATR-42 saído de Congonhas de pouco mais de hora via Pantanal.
Os vôos costumam atrasar. Na quinta foram duas horas de espera devido a uma vistoria na nave feita pela ANAC, o que permitiu descobrir que o chopp Brahma em Congonhas é mais barato que o chopp Heineken em Guarulhos: R$ 7,50 x R$ 10,50. De qualquer forma, dois assaltos. Apesar do atraso, o vôo foi tranqüilo (e altitude da aeronave, voando a 18 mil pés, permitiu uma bela visão de São Paulo iluminada à noite) e o pouso em Juiz de Fora um dos mais sossegados dos últimos tempos.
Fui recebido pelo João Paulo Mauler, do projeto Quinta do Bloco (www.quintadobloco.com), no aeroporto, e seguimos para o hotel e sem eguida para o Café Musik, local que abriga o retorno do projeto após três anos de hibernação. Kátia Abreu, da Alavanca, já havia elogiado o Musik em um bate papo, mas não tenho palavras para descrever um local cuja parede lateral de entrada é tomada inteiramente pela foto clássica e nostálgica do filme “Manhattan”, de Woody Allen, em que o casal de personagens observa a Ponte do Brooklin. Estou em casa.
A programação para a noite era um bate papo meu com os presentes depois shows da banda local Hermitage e do carioca Lê Almeida (www.myspace.com/lealmeida). Alguns minutos pós a meia-noite dispensei o microfone, coloquei uma cadeira no meio do salão e gastei uns 20 ou 30 minutos falando bobagens sobre a minha formação profissional e minha visão do cenário musical nacional. Fiquei feliz e surpreso com o bom número de ouvintes e com algumas perguntas interessantes que surgiram após meu monólogo.
A Raizza questionou minha crítica à Pitty, e precisei aprofundar o assunto “jornalismo combativo”. Del Guiducci, do Martiataka (www.martiataka.com), tocou no assunto mainstream brasileiro, e assim que afirmei que vivemos a pior fase do rock nacional no mainstream e não há nada de bom acontecendo no momento, três emos de uma jovem banda local levantaram e partiram. Um pouco antes eu já havia dado o recado: “Aprenda a ler jornalistas e não revistas”. Eles devem ter pegado o recado e visto que dessa cartola aqui não sai coelho.
No geral, o bate papo foi extremamente proveitoso, ao menos para mim. Fiquei satisfeito, mas o melhor ainda estava por vir com curtos bate papos com a Raizza (que leu Simone de Beauvoir por causa da Pitty); com o Anderson, da banda Usversos (www.myspace.com/usversus), que faz um som na linha Dead Fish (e tenta fugir do emo); com o Greg, que curte o Scream e já tocou o Ameba, da Plebe Rude; com o Roney, que toca em duas bandas locais, sendo que uma delas fará uma temporada na Alemanha nos próximos meses.
Nas pick-ups da festa rock and roll, Luiz Valente, do selo Vinyl Land (www.vinyllandrecords.com), que lança singles em vinil e discoteca com compactos 7 polegadas de uma coleção que faria Rob Fleming corar de inveja. A frase que mais ouvi – e mais me deixou comovido – na noite foi: “Acompanho o Scream & Yell há seis (sete, oito, nove) anos, e ele (e o 1999, do Alexandre Matias e do Abonico Smith, e o Esquizofrenia, do Gilberto Custódio) moldou muito do que ouço hoje em dia”.
O Hermitage, que fazia seu último show com esse nome, me arrancou sorrisos. A Paula Bento, do Quinta no Bloco, comentou que o som da guitarra estava alto, e o bom rock and roll é isso: guitarra alta e distorcida. Bebendo cerveja num canto da pista e olhando a alegria do público dançando só pude imaginar que quando Pavement, Teenage e Guided by Voices, começaram, eles tocavam assim para uma platéia não muito diferente dessa. Festa. Rock caipira poderoso com direito a cover de Neutral Milk Hotel.
Lê Almeida veio na seqüência. Ele comanda o selo Transfusão Noise Records de seu quarto estúdio na Baixada Fluminense. Levando a sério o lema “faça você mesmo”, Lê já organizou um tributo brasileiro ao Guided By Voices (veja aqui) chamado “Don’t Stop Now” (que conta com Superguidis, Kid Vinl Experience, Snooze, Surfadelica e mais 27 bandas), toca em dezenas de bandas, lançou vários EPs caseiros e, segundo muitos presentes, é um gênio. Toca tudo deste projeto solo, que ao vivo conta com o reforço dos amigos.
Antes do show, o projeto Quinta no Bloco apresentou em primeira mão o clipe de “Nunca, Nunca”, faixa de “Revi”, novo trabalho de Lê Almeida lançado em parceria com os selos Midsummer Madness e Vinyl Land. O set list, na linha Guided By Voices, tinha 27 músicas, e a banda mostrou suas guitarradas em um show potente, mas que acabou prejudicado por um problema em uma das caixas de som. No balanço geral, dois bons shows que mostram que a cena lo-fi nacional continua rendendo excelentes frutos.
Fica o agradecimento a Rayssa, ao Del Guiducci, ao Greg, ao Anderson, ao Roney, ao Evandro (não esqueci do Mojobook não!), ao Lê Almeida (pela gentileza e por todos os CDs), ao Luiz (pelo bom papo sobre vinis), ao André Medeiros (que escreve junto com o Eduardo no ótimo Last Splash – lastsplash.wordpress.com) e o pessoal do ex-Hermitage, ao pessoal do Café Musik, e especialmente ao João e a Paula pelo convite. Para mim, a noite foi bem bacana. Espero que para vocês todos, também. Até a próxima, Juiz de Fora.
Todas as fotos por Amanda Dias
http://www.flickr.com/photos/amandadias
1 comentário
Muito bom!
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