“O Trovador Solitário”, Renato Russo
Ainda hoje, quase no final da primeira década do século XXI, a Legião Urbana é a maior banda de rock deste país. Se é (era) a melhor são outros quinhentos, mas o que importa é que o enorme sucesso conquistado por Renato Russo e companhia nos anos 80 aumentou nos 90, mesmo com álbuns menos “comerciais” e com a morte prematura do vocalista e letrista em 1996, em conseqüência de complicações causadas pela AIDS.
Nos anos 2000, uma série de lançamentos póstumos manteve o culto em alta destacando dois álbuns ao vivo da Legião (”Como É que Se Diz Eu Te Amo”, show de 1994, e “As Quatro Estações ao Vivo”, 1990) e um álbum de raridades de Renato, “Presente”, que compilava versões para “Gente Humilde” (Chico e Vinicius), “Thunder Road” (Bruce), duetos com Erasmo, Leila Pinheiro e Zélia Duncan, além de entrevistas (?).
Diferente de seu predecessor póstumo (que cheirava a picaretagem), “O Trovador Solitário” surge como um resgate histórico que permite diversas avaliações sobre o mito em torno do compositor e sobre o rumo de sua banda. Lançado pelo selo Discobertas, do jornalista e pesquisador Marcelo Fróes, o CD reúne material resgatado de fitas K7 do início dos anos 80 com encarte recheado de desenhos feitos pelo próprio Renato.
A rigor, as onze canções contidas no lançamento já circulavam de mãos em mãos de fãs desde os anos 80, quando álbuns como “Dois” (1986), “Que País é Este?” (1987) e “As Quatro Estações” (1989) tomaram as paradas de sucesso (e os acampamentos) e tocaram, tocaram, tocaram, tocaram, tocaram e tocaram. E tocaram. Tocaram tanto que causaram a síndrome de náusea característica daquilo que ultrapassa nossos limites.
Gravada em seu próprio quarto, em 1982, a fita K7 flagrava a fase solo do cantor conhecida pelo nome que dá titulo ao lançamento (pós Aborto Elétrico, pré Legião). O que impressiona, porém, não é a baixa qualidade da gravação, mas o quanto aquele grupo de canções já exibia corpo, tronco e membros completamente definidos, e praticamente não mudaram quando registradas nos estúdios da gravadora EMI, nos anos posteriores.
Renato “inventa” uma Rádio Brasília e com seu “violão desafinado” apresenta “Eu Sei”, “Geração Coca-Cola”, “Faroeste Caboclo”, “Veraneio Vascaína” (gravada pelo Capital Inicial em 1986) e “Que Pais É Este?” em versões exatamente iguais às popularizadas nas FMs de todo o país anos depois, só que gravadas em um toca-fitas simples num quartinho solitário de um Brasil que ainda vivia sob o comando dos militares.
“Eduardo e Mônica” segue idêntica (melodia e letra) até seu trecho final, quando Renato canta: “Eduardo e Mônica então decidiram se casar / um casamento indiano em algum lugar perto do mar / “O mar tá muito longe”, um deles lembrou / “Vai ser aqui mesmo”, e assim ficou / Foram pra Bahia e hoje Eduardo foi parar lá no Banco Central / Cristalina, Sampaio, Rio de Janeiro / E a Mônica dá aulas na escola normal / Eduardo e Mônica estão no Lago Norte / Ele projetou a casa e ajudou na construção / Só que nessas férias não vão viajar / Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação”.
A fita ainda trazia versões para “Dado Viciado” (que Renato tentou gravar posteriormente, e acabou entrando no póstumo “Uma Outra Estação” em versão voz e violão – semelhante a de “O Trovador Solitário”), “Boomerang Blues” (gravada pelo Barão Vermelho e registrada em outra versão no póstumo “Presente”), “Anúncio de Refrigerante” (gravada pelo Capital Inicial no álbum “MTV Aborto Elétrico”) e “Marcianos Invadem a Terra” (gravada no álbum solo de Dinho Ouro Preto e no póstumo “Uma Outra Estação” em versão voz e violão das sessões do álbum “Dois”). De extra, “Summertime” ao lado de Cida Moreira, em 1984.
Renato Russo ficou à frente da banda comandando-a com pulso forte até 1991, época em que Dado começou a assumir os rumos musicais do então trio (o que ficou evidenciado nos dois lançamentos seguintes, os ótimos “O Descobrimento do Brasil”, de 1993, e principalmente no fantasmagórico e belíssimo “A Tempestade ou O Livro dos Dias”, de 1996). Até ali, tudo que a Legião fez (e copiou dos Smiths e do U2 – sem ranço, por favor) são mérito e culpa do vocalista. Ok, você já sabia disso, mas “O Trovador Solitário” está ai para lembrar aqueles que esqueceram. São muitos…
“O Trovador Solitário”, Renato Russo (Discobertas)
Preço em média: R$ 20
Nota: 9
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