Chuck Berry em São Paulo
“O véio ta querendo entrar antes”, diz apressadamente uma pessoa do HSBC Brasil pelo walkie talkie. Ela entra por uma porta que dá passagem ao camarim, e retorna alguns segundos depois: “Ele VAI começar o show antes”! As luzes se apagam, abrem-se as cortinas vermelhas do palco, e ouvem-se os primeiros acordes de “Memphis Tennessee”. Faltam dez minutos para as 22h, e todos procuram seus lugares para ver uma lenda do rock.
Aos 81 anos, Charles Edward Anderson Berry encarna no palco do HSBC Brasil o personagem que todos conhecem dede 1955 como Chuck Berry: quepe de marinheiro, uma brilhante camisa vermelha, calça e sapatos pretos, e sua inconfundível Gibson ES-350T semi-acústica. Mais de 50 anos separam o debute de Chuck Berry na indústria da música pela gravadora Chess deste show, e é preciso levar isso em consideração. Se o tempo passa, porém, a lenda permanece.
“Eu espero que ao menos metade de vocês nunca tenha ouvido essa canção”, dispara antes de tocar a introdução de “School Days”. Urros e assovios celebram a música, e dão um panorama do público, que vai desde uma menina de aparentemente sete anos até senhoras e senhores grisalhos que devem ter dançado muito ao som desses riffs em bailinhos dos anos sessenta e setenta. Mas um grande número de adolescentes também prestigia a lenda em um show que poderia ter o adjetivo “família”.
Os clássicos se atropelam (”Nadine”, “My Ding-a-Ling”, “Sweet Little Sixteen”) em versões mais lentas que as originais. A cada batida dos dedos de Berry na guitarra, uma corda desafina. O som de sua Gibson está bem à frente da Fender de seu filho, Charles Edward Anderson Berry Jr., que faz as bases enquanto os dedos do pai buscam os riffs clássicos de canções que receberam versões de Beatles e Rolling Stones (como “Carol” “Rock and Roll Music” e “Johnny B. Goode”) e mais uma centena de intérpretes.
“You Never Can Tell”, que voltou ao imaginário pop nos anos 90 através de Quentin Tarantino – que a inseriu em “Pulp Fiction” embalando a já clássica dança de John Travolta com Uma Thurman – surge cambaleante, mas divertida. Na seqüência, Berry pergunta qual música o público gostaria de ouvir. Uma senhora chega perto do palco e lhe pede uma canção. “Mas essa música não é minha!”, diz em tom de deboche o guitarrista enquanto emenda um clássico. Após 60 minutos de apresentação, Berry deixa o palco – superlotado de ladys – ao som de “Reelin’ and Rockin’”.
O show foi um fiasco em uma análise crítica isenta de considerações. Berry desafinou sua guitarra em diversas oportunidades além de errar algumas passagens. Porém, é impossível ser isento quando se está à frente de uma das lendas do rock, um gênero que começou rebelde, assustando pais e mães cujos filhos viviam com “esse tal de roque enrow”. Chuck Berry desafinando é muito mais rock em conceito do que todos os discos do CPM 22 juntos. É preciso respeito com o véio. Ele merece.
Fotos: Liliane Callegari (http://www.flickr.com/photos/lilianecallegari)
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