Cinema: O primeiro filme de Cameron Crowe
por Marcelo Costa
Como um bom adolescente nos anos 80 (alô, André Takeda), vi todos os filmes de John Hughes e quase todos os próximos a ele na época. De “Clube dos Cinco” a “Admiradora Secreta”, de “Ela Vai Ter um Bebê” a “Alguém Muito Especial” e “Garota de Rosa Shocking”. Mas eu tinha deixado de ver um, casualmente de um diretor que seria bastante especial para mim nos anos seguintes (e responsável por um dos grandes filmes da minha vida… e da vida do Batman Lego): Cameron Crowe. Você o conhece, certo? Se não o conhece, vá lá ver “Quase Famosos” (2000) e depois volte aqui…
Ok, brincadeirinha (séria). Hehe. Cameron começou a escrever de música aos 13 anos e antes dos 18 já colaborava com a revista Rolling Stone acompanhando bandas na estrada. Aos 22, em 1977, desistiu de seguir os Rolling Stones numa tour e mergulhou numa história que rendeu seu primeiro livro, que seria adaptado para o cinema, a comédia adolescente “Picardias Estudantis” (1982). Seu segundo roteiro rodou de mão em mão em Hollywood até cair na mesa de James L. Brooks (“Laços de Ternura”, “Melhor é Impossível”), que o orientou a dirigi-lo. E é assim que Cameron estreia na direção com “Digam o Que Quiserem” (Say Anything… 1989).
Revendo ao filme (relançado em DVD no Brasil com extras imperdíveis na série Sessão Anos 80 da produtora Obras Primas do Cinema), sinto que vi trechos de “Digam o Que Quiserem” aqui e ali (na Sessão da Tarde, provavelmente), mas nunca tinha o visto inteiro. Lembrava de uma enquete de 20 filmes para o primeiro encontro que esbarrei anos atrás e que incluía a cena clássica em que (um jovem) John Cusack levanta um enorme toca-fitas tocando “In Your Eyes” de Peter Gabriel para que Diane (Ione Skye) saiba, em seu quarto, que ele ainda a ama (na primeira versão, a cena tinha sido gravada com “Question of Life”, do Fishbone – ufa, mudaram pra melhor).
No geral, “Digam o Que Quiserem” traz a marca de Cameron Crowe, e de uma estreia insegura, ainda que apaixonada na direção. O roteiro (um jovem simplório sem planos para o futuro que se relaciona com a garota número 1 de seu colégio que acaba de ganhar uma bolsa pra estudar na Inglaterra) é… simplório, as falas são fracas (principalmente se comparadas aos filmes seguintes do próprio Crowe), a edição é falha, mas há mágica na história e o elenco se supera: além de Cusack e sua irmã, a incrível Joan, o filme traz Lili Anne Taylor (que passa o filme tocando canções que fez prum ex-namorado, todas lembrando Nirvana demais – o filme foi filmado em Seattle em 1988/1989) e ponta de Philip Baker Hall.
Mas quem brilha é John Mahoney como pai da amada de Lloyd (Cusack). “A 20th Century Fox queria um pai bonzinho, brincalhão”, diz Cameron nos extras. “E eu disse que ‘Garota de Rosa Shocking’, um filme em que todos os personagens são bonzinhos, já havia sido feito, que estávamos tentando outra coisa. E eles permitiram”, completa o cineasta nos extras recheados, que traz uma entrevista especial do diretor revendo o filme anos depois e quase 15 minutos de cenas deletadas que amplificam o personagem do pai, um homem que cuida de um asilo, e que desvia dinheiro dos velhinhos (numa outra cena deletada, Lloyd entrega uma mixtape em fita cassete pra namorada).
Com trilha sonora esperta (The Replacements, Depeche Mode, Red Hot Chili Peppers, Living Colour e, claro, a sra Crowe, Nancy Wilson), que Cameron elevaria a perfeição nos filmes seguintes (“Singles”, de 1992, “Jerry Maguire”, de 1996, “Quase Famosos”, de 2000, “Vanilla Sky”, de 2001 e “Elizabethtown”, de 2005), e clima apaixonado e sonhador, daquele tipo que “se nada dar certo, ao menos temos um ao outro” (é pouco pra vida, mas tem gente que começa com menos ainda), “Digam o Que Quiserem” (ainda que datado) envelheceu dignamente e se transformou num bonito documento de época.
junho 28, 2022 No Comments
Cinema: “Lightyear” não comove, não inspira
A Pixar é, aparentemente, inatacável. Responsável por um bom número de obras supimpas do cinema moderno (algumas delas, como a tetralogia “Toy Story” e “Divertidamente”, clássicos), a produtora vem dando uma tropeçadas desde “Soul” (2020), cuja ideia era muito boa, mas o roteiro se atrapalha todo. “Luca” (2021), o seguinte, é simpático e funciona como mensagem, algo que “Red: Crescer é uma Fera” (2022) também alcança, ainda que ambos soem zona de conforto, ou seja, são bons, mas são menores numa filmografia repleta de momentos brilhantes. “Lightyear” (2022) é mais um filme pra essa lista da zona de conforto da Pixar, mas, pior, soa o mais convencional das obras recentes da produtora. Feito no piloto automático, “Lightyear” é mais uma animação para adultos da Pixar (após duas boas investidas na adolescência com “Luca” e “Red: Crescer é uma Fera”) e traz uma historiazinha simpática, mas que não se sustenta. Aqui, 27 anos depois, temos acesso ao filme que Andy viu no cinema em 1995 e o fez trazer o boneco do Buzz Lightyear pra casa. Ou seja, o personagem Buzz de “Toy Story” é um boneco inspirado no personagem desse filme, um astronauta que comete um erro e passa a vida tentando consertá-lo. Não sei se animaria tanto meninos de 6 anos como Andy (o meu de quase 4 começou animado a sessão, depois entrou no piloto automático com tanta informação para maiores – aliás, não tente mostrar “Toy Story” para crianças pequenas, pois o que é maravilhoso pra nós pode ser assustador pra eles, e “Toy Story” tem momentos terrivelmente assustadores), mas, bem, é cinema, e vale tudo, né mesmo. “Lightyear” tem momentos bons e boas ideias, mas, no todo, não comove, não inspira e é… chatinho (e seu fracasso nos cinemas tangencia muita coisa). Para a etiqueta Pixar isso é um grande pecado. Será que eles cansaram?
junho 28, 2022 No Comments